segunda-feira, 30 de junho de 2025

Porque todos os militantes da saúde devem se somar ao plebiscito popular.


O Plebiscito Popular 2025 representa uma importante iniciativa de democracia participativa no Brasil, organizada por movimentos sociais, centrais sindicais, partidos progressistas e organizações da sociedade civil.

Esta consulta popular mesmo que seja  vinculante, isso é, seu resultado obrigatório para o governo,  busca mobilizar a opinião pública sobre duas questões fundamentais que impactam diretamente a saúde e qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros.


Vamos lá: O que é o Plebiscito Popular 2025


O plebiscito é uma consulta pública voluntária que será realizada entre 01 de julho e 07 de setembro de 2025, permitindo que os brasileiros votem sobre questões centrais para o futuro do país. A votação ocorrerá tanto em urnas físicas instaladas em sindicatos, praças, igrejas, terminais de transporte e locais de trabalho, quanto pela internet através do site www.plebiscitopopular.org.br.

As Duas Principais Pautas

1. Redução da Jornada de Trabalho e Fim da Escala 6x1

A primeira questão aborda a redução da jornada de trabalho sem corte salarial e o fim da escala 6x1 (seis dias trabalhados para um de descanso). Atualmente, o Brasil mantém uma jornada máxima de 44 horas semanais, uma das maiores do mundo. A proposta visa reduzir 40 horas e posteriormente para 36 horas semanais, garantindo mais qualidade de vida aos trabalhadores.

2. Reforma Tributária Progressiva

A segunda questão propõe a isenção total do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais e a taxação progressiva para quem recebe acima de R$ 50 mil por mês. Esta medida busca promover justiça fiscal, aliviando a carga tributária sobre os mais pobres enquanto aumenta a contribuição dos mais ricos.

A Redução da Jornada como Questão de Saúde Pública

Impactos na Saúde Física e Mental

A redução da jornada de trabalho representa uma medida preventiva fundamental para a saúde coletiva. Cirlene Zimmermann, procuradora do Ministério Público do Trabalho, destacou a associação direta entre longas horas de trabalho e doenças físicas e mentais, além de acidentes laborais. Das 20 ocupações com mais acidentes, 12 estão entre as que exigem maior carga horária.

Dados Alarmantes sobre Acidentes de Trabalho

Leonardo Landulfo, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, revelou que o Brasil registrou em 2024 mais de 740 mil acidentes de trabalho e 2,5 mil mortes. Isso significa que a cada três horas e meia, um trabalhador morre em decorrência de acidente. Estes números demonstram que a redução da jornada é uma medida de proteção coletiva urgente.

Benefícios para a Saúde dos Trabalhadores

A redução da carga horária traz impactos diretos e positivos para a saúde:

Diminuição do estresse e melhoria da saúde mental

Redução de doenças físicas relacionadas ao trabalho excessivo

Mais tempo para recuperação e descanso adequado

Prevenção de acidentes causados por fadiga e sobrecarga

Melhoria da qualidade do sono e dos hábitos alimentares


Argumentos de Saúde Pública para os Militantes

A Jornada Excessiva como Determinante Social da Saúde


Para os militantes da saúde, é fundamental compreender que a jornada de trabalho excessiva constitui um determinante social da saúde. O tempo excessivo dedicado ao trabalho compromete:

Acesso aos serviços de saúde (falta de tempo para consultas e exames)

Práticas de autocuidado (exercícios físicos, alimentação adequada)

Saúde mental (isolamento social, depressão, ansiedade)

Saúde familiar (impacto nas relações familiares e cuidado com filhos)


Impacto Desproporcional nas Mulheres


Adriana Marcolino, do Dieese, destacou que a redistribuição do tempo de trabalho pode beneficiar especialmente as mulheres, que ainda acumulam responsabilidades domésticas. A redução da jornada representa uma questão de equidade de gênero e saúde da mulher trabalhadora.

Geração de Empregos e Redução do Desemprego

A redução da jornada também representa uma estratégia de saúde coletiva ao combater o desemprego. Estimativas do Dieese preveem a criação de 3 milhões de novos empregos somente com a redução para 40 horas semanais. O desemprego é reconhecidamente um fator de risco para diversos problemas de saúde mental e física.

A Reforma Tributária e o Acesso à Saúde

Impacto da Isenção do IR até R$ 5 mil

A proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais representa um alívio financeiro significativo para 65% dos declarantes. Para uma família que ganha R$ 5 mil, isso significa uma economia anual de R$ 4.356,89, recursos que podem ser direcionados para:

Alimentação mais saudável

Atividades físicas e lazer

Qualidade de vida

Financiamento do Sistema de Saúde

A taxação progressiva dos mais ricos, com alíquotas de até 10% para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais, pode gerar recursos adicionais para o financiamento do SUS e políticas públicas de saúde.

Mobilização e Perspectivas

O plebiscito representa uma oportunidade histórica para que os profissionais de saúde se posicionem como defensores não apenas da assistência médica, mas também da promoção da saúde através de mudanças estruturais na organização do trabalho e na distribuição de renda.

A campanha, que já mobiliza diversas capitais do país, conta com o apoio de centrais sindicais, movimentos sociais e partidos progressistas, demonstrando a amplitude do apoio popular a essas propostas. Para os militantes da saúde, esta é uma oportunidade de articular a luta por melhores condições de trabalho com a defesa da saúde como direito universal e bem comum.

O período de votação, entre 01/07 e 07/09, será precedido por uma intensa campanha de mobilização que começou em junho, oferecendo múltiplas oportunidades para que os profissionais de saúde se engajem na defesa dessas propostas como questões fundamentais de saúde pública. 

 

O EQUIVOCO DO DECRETO Nº 12.534/2025: UM RETROCESSO NA PROTEÇÃO SOCIAL DOS MAIS VULNERÁVEIS

 


O Decreto nº 12.534, de 25 de junho de 2025, recentemente editado pelo Governo Federal, promoveu alterações relevantes nas normas de concessão e manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS). Embora traga avanços pontuais, como a ampliação de algumas exclusões no cálculo da renda familiar, o decreto incorre em grave equívoco ao reincluir os valores oriundos do Programa Bolsa Família na composição da renda familiar per capita, o que representa uma afronta à lógica constitucional da assistência social como direito fundamental autônomo e não contributivo, com consequências práticas de exclusão de milhares de beneficiários em situação de extrema vulnerabilidade.

1. Violação ao Princípio da Proteção Integral e à Finalidade da Assistência Social

Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, a assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é expressão direta desse mandamento constitucional, destinado a garantir mínimos existenciais para idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza extrema. A inclusão do valor do Bolsa Família – que também se destina a mitigar vulnerabilidades socioeconômicas – no cálculo da renda familiar viola a natureza complementar e cumulativa dos programas assistenciais, prejudicando justamente os que mais precisam de suporte do Estado.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento nesse sentido. O REsp 1.112.557/MG (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho) fixou que rendas de caráter alimentar e assistencial, como o Bolsa Família, não devem ser computadas na aferição da renda familiar para fins de BPC, justamente para não esvaziar a efetividade da proteção social constitucionalmente assegurada.

2. Risco de Exclusão e Agravamento da Pobreza

O efeito imediato da reinclusão do Bolsa Família como componente da renda familiar é o afastamento automático de famílias do direito ao BPC, mesmo quando estas permaneçam em situação de miséria. Trata-se de uma medida regressiva, incompatível com o princípio da proibição do retrocesso social, cuja aplicação é corolário da cláusula do Estado Democrático de Direito e da eficácia dos direitos sociais fundamentais, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 347/DF, Rel. Min. Marco Aurélio).

A análise técnica evidencia o impacto: com mais de 6,2 milhões de beneficiários em 2025 e projeções de ampliação para 14,1 milhões até 2060, a modificação imposta pelo Decreto nº 12.534/2025 poderá interromper a trajetória ascendente de cobertura da política de assistência social, excluindo pessoas que dependem exclusivamente do BPC e do Bolsa Família para sobreviver.

3. Insegurança Jurídica e Inconstitucionalidade Material

A revogação do §2º, inciso II, do art. 4º do Decreto nº 6.214/2007 – que explicitava a exclusão do Bolsa Família do cômputo da renda familiar – não apenas contraria o entendimento jurisprudencial e doutrinário consolidado, como afronta os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da vedação à proteção insuficiente.

Além disso, ao alterar de maneira substancial os critérios para elegibilidade do BPC por meio de decreto presidencial, o Poder Executivo avança sobre competência legislativa do Congresso Nacional, o que pode configurar usurpação de competência, nos termos do art. 48 da Constituição Federal. A matéria, por tratar de direitos sociais de prestação positiva, demanda edição de lei em sentido formal, sob pena de inconstitucionalidade material e formal do novo decreto.

4. Inversão da Lógica da Proteção Social

Ao vincular dois benefícios assistenciais – Bolsa Família e BPC – como se fossem mutuamente excludentes, o decreto subverte a lógica da proteção social. Ambos os programas têm funções distintas, ainda que complementares, e não devem se anular mutuamente. O Bolsa Família visa combater a pobreza por meio da transferência de renda condicionada a ações em educação e saúde; o BPC, por sua vez, é um direito constitucional de prestação continuada e incondicional a pessoas em condições de hipervulnerabilidade.

Permitir que o valor de um benefício assistencial (Bolsa Família) sirva de base para negar o acesso a outro direito (BPC) é inverter a lógica do Estado Social e operar um mecanismo de exclusão disfarçado de critério de elegibilidade.

5. Impactos Discriminatórios e Desproporcionais

A medida impacta de forma desproporcional pessoas com deficiência e idosos em situação de miserabilidade – grupos protegidos por tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), que possui status de emenda constitucional (nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal). A interpretação da legislação infraconstitucional, portanto, deve ser compatível com os tratados internacionais, sob pena de configurar violação de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

É Necessário Revogar ou Reformular o Decreto

Diante de todo o exposto, é possível concluir que o Decreto nº 12.534/2025 incorre em erro jurídico, político e social. Ao tornar mais restritivos os critérios de acesso ao BPC com base em parâmetros que desconsideram a natureza assistencial do Bolsa Família, o governo compromete a eficácia do direito à assistência social, promovendo exclusão disfarçada de racionalidade fiscal.

Ainda que a medida tenha sido justificada sob o argumento de contenção de gastos, é imprescindível lembrar que os direitos sociais não podem ser sacrificados no altar do ajuste fiscal. O BPC é um instrumento constitucional de justiça social, e não um privilégio assistencial. O governo, portanto, deve rever com urgência a redação do decreto, restabelecendo a exclusão do Bolsa Família da base de cálculo da renda familiar e reafirmando o compromisso do Estado com os valores constitucionais da solidariedade, proteção à dignidade humana e justiça social.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O Desperdício na Gestão Nunes: O Caso do "Prédio Ocioso" da UPA Santo Amaro

 


Cidadãos e cidadãs de São Paulo, é fundamental que estejamos atentos à forma como os recursos públicos, provenientes dos nossos impostos, estão sendo gerenciados pela Prefeitura. Um caso emblemático de desperdício e má gestão vem à tona com o prédio da antiga UPA Santo Amaro, na Rua Carlos Gomes.


Um Imóvel Vazio, Milhões em Despesas

Desde junho de 2024, o prédio que antes abrigava a UPA Santo Amaro está completamente desocupado. Apesar de vazio, a Prefeitura de São Paulo, sob a gestão Nunes, continua a pagar um aluguel mensal de R$ 108 mil. Some-se a isso um IPTU anual de R$ 76 mil. Em um ano, isso totaliza um custo absurdo de aproximadamente R$ 1,4 milhão por um imóvel que não está servindo à população!

Para agravar a situação, a UPA Santo Amaro foi transferida para um novo endereço em junho de 2024. Ou seja, a Prefeitura já tinha um novo local para o atendimento, mas optou por manter o aluguel do imóvel antigo, jogando fora o dinheiro que poderia ser investido em áreas essenciais.


Justificativas Insuficientes e Contradições

A Secretaria Municipal da Saúde alega que o imóvel está passando por reformas para receber uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS) e um centro de diagnósticos. Alega também que manter o aluguel evitaria custos de restauração do imóvel.

No entanto, há mais de um ano o prédio está vazio e não há um cronograma claro para a conclusão dessas reformas ou para o início dos novos serviços. Quanto tempo mais a população paulistana terá que arcar com esse custo?

A situação se torna ainda mais questionável quando, um dia após a imprensa questionar a Prefeitura, surge um documento datado de 13 de junho de 2025, encaminhando o imóvel para desapropriação. Se a intenção era desapropriar, por que continuar pagando aluguel por tanto tempo, acumulando um prejuízo milionário aos cofres públicos? A justificativa para a desapropriação ("imóvel adequado... grande dificuldade de encontrarmos imóveis da metragem e construção necessárias") não condiz com a ociosidade e o custo contínuo que estamos vivenciando.


Um Padrão de Gastos Excessivos

Este caso da UPA Santo Amaro não é isolado. Ele se encaixa em um histórico preocupante de gastos excessivos da Prefeitura de São Paulo com aluguéis de imóveis. Entre 2007 e 2019, a prefeitura gastou R$ 1,38 bilhão com locações. As 32 subprefeituras, por exemplo, gastam mensalmente R$ 752 mil em aluguéis, sendo que a maioria sequer possui sede própria.

Casos como o da UBS Vila Anastácio, despejada por falta de pagamento de aluguel, ou o prédio do SAMU, com aluguel de R$ 94 mil por um imóvel parcialmente vazio, reforçam a ideia de uma gestão ineficiente dos bens públicos.


Ferramentas Existem, Mas Estão Sendo Usadas?

A Prefeitura possui instrumentos para combater a ociosidade de imóveis, como o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), o IPTU Progressivo e até mesmo a desapropriação. A própria prefeitura anunciou a desapropriação de imóveis ociosos no centro para habitação social.

Por que, então, a inércia em relação ao prédio da UPA Santo Amaro? Por que esperar mais de um ano e a repercussão da imprensa para iniciar um processo de desapropriação que deveria ter sido considerado muito antes, poupando milhões aos cofres públicos?


Exigimos Transparência e Responsabilidade!

O controle social precisa se manifestar. Não podemos aceitar que nossos impostos sejam utilizados para manter um prédio vazio por mais de um ano, gerando um custo de R$ 1,4 milhão anual, sem um plano claro e transparente.

A gestão Nunes precisa urgentemente apresentar um cronograma detalhado para a utilização do imóvel e justificar os motivos pelos quais o processo de desapropriação não foi iniciado de forma proativa. O dinheiro público é sagrado e deve ser gerido com responsabilidade e eficiência. Exija transparência! Exija uma gestão que valorize o seu dinheiro!

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O Direito das Pessoas com Deficiência ao Transporte Público Especializado: Garantia Constitucional e Dever Estatal

 



O direito das pessoas com deficiência ao transporte público especializado constitui garantia constitucional inafastável e impõe ao Estado brasileiro o dever de assegurar meios acessíveis, seguros e adaptados para o pleno exercício de direitos fundamentais, especialmente o acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à participação social.

O transporte público convencional, ainda que disponha de veículos adaptados, muitas vezes não se revela suficiente para suprir as necessidades específicas de pessoas com deficiência, que carecem de condições personalizadas de deslocamento, com acompanhamento, segurança e conforto. Neste contexto, destaca-se a importância de serviços como o SEC – Serviço Especial Conveniado – LIGADO, disponibilizado pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo – EMTU, que assegura transporte “porta a porta”, gratuito e especializado para pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida severa.

Fundamentação Constitucional e Legal

O direito à acessibilidade encontra fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cujo art. 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Além disso, a Constituição reconhece a educação e a saúde como direitos sociais fundamentais (art. 6º) e atribui ao Estado o dever de promovê-los, garantindo o acesso universal e igualitário aos serviços públicos (art. 196).

A proteção das pessoas com deficiência é especialmente destacada no art. 227, ao impor à família, à sociedade e ao Estado a obrigação de assegurar, com absoluta prioridade, direitos como a educação, a saúde, a dignidade e o respeito.

O art. 208, inciso VII, reforça que cabe ao Estado garantir o atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de transporte, alimentação e assistência à saúde, evidenciando que o transporte escolar não constitui mera liberalidade estatal, mas sim um dever jurídico e social.

Além da Constituição, o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico com status de norma constitucional (Decreto nº 6.949/2009). Referido instrumento, em seu art. 9º, obriga os Estados Partes a assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso ao transporte em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, promovendo o direito à mobilidade pessoal de maneira independente.

No âmbito da legislação infraconstitucional, destaca-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015), que estabelece, em seu art. 46, que:

“É assegurado à pessoa com deficiência o direito ao transporte e à mobilidade com segurança, conforto e autonomia, em condições de igualdade com as demais pessoas.”

Ainda, o art. 28, inciso I, impõe ao poder público o dever de:

“assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizagem ao longo de toda a vida.”

O direito ao transporte especializado também é reafirmado no contexto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990), que garante à criança e ao adolescente o acesso à escola pública gratuita próxima de sua residência (art. 53, V), bem como estabelece, em seu art. 4º, a prioridade absoluta na efetivação de direitos como educação, saúde e dignidade.

O Serviço LIGADO e sua Finalidade Social

O serviço LIGADO, mantido pela EMTU, desempenha papel crucial na garantia da acessibilidade a pessoas com deficiência, promovendo transporte gratuito entre suas residências e instituições que prestam atendimento especializado nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer.

Trata-se de serviço estruturado por meio de vans e micro-ônibus adaptados, operados por convênios firmados com órgãos públicos e instituições especializadas, como a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e a Associação Amigos dos Autistas (AMA).

A importância do transporte especializado transcende a mera facilitação logística. Ele é, na verdade, instrumento de promoção da inclusão social, permitindo que a pessoa com deficiência exerça plenamente seus direitos e participe da vida comunitária de forma digna, segura e autônoma.

Como bem sintetiza a missão institucional do serviço:

“Nosso objetivo é oferecer transporte acessível, seguro e eficiente a um público que não consegue utilizar o Sistema Regular, ainda que os veículos sejam adaptados. Assim, podemos promover a inclusão social desses cidadãos, garantindo que eles tenham acesso aos programas específicos do Governo nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer.”
(Fonte: Site oficial da EMTU.)

Jurisprudência e Reconhecimento do Dever Estatal

A jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que é obrigação do Poder Público assegurar transporte especializado e gratuito à pessoa com deficiência, especialmente quando esta se encontra em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou em diversas oportunidades nesse sentido:

TJSP – Apelação nº 1567641-0/6, 12ª Câmara de Direito Público:

“OBRIGAÇÃO DE FAZER - Fornecimento de transporte coletivo gratuito - Autora portadora de deficiência física decorrente de LER, redução da capacidade visual e problemas cardíacos. Deficiências que efetivamente legitimam a concessão do benefício pleiteado - Acesso gratuito ao transporte coletivo devido pela Municipalidade ré - Sentença reformada - Recurso provido.”
(Rel. Des. Wanderley José Federighi, j. 11/05/2011).

TJSP – Apelação/Reexame Necessário nº 0032360-14.2009.8.26.0053, 4ª Câmara de Direito Público:

“DEMANDA MOVIDA CONTRA A FAZENDA DO ESTADO VISANDO O FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR ESPECIALIZADO PARA PORTADOR DE AUTISMO DIREITO ASSEGURADO PELO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM FACE DE QUALQUER DOS ENTES FEDERADOS AÇÃO PROCEDENTE SENTENÇA CONFIRMADA NO SUBSTANCIAL.”
(Rel. Des. Ricardo Feitos, j. 30/07/2012).

TJSP – Apelação nº 0002684-92.2009.8.26.0191, 13ª Câmara de Direito Público:

“Obrigação de Fazer. Fornecimento gratuito de TRANSPORTE adequado à pessoa hipossuficiente e portadora de Autismo Infantil (HDCCID-10 de F84) para tratamento fora do domicílio. Admissibilidade. Direitos fundamentais à vida, à saúde e educação, assegurados pela Constituição Federal. Recursos voluntário e oficial, não providos.”
(Rel. Des. Peiretti de Godoy, j. 25/08/2010).

Esses precedentes revelam que a negativa ou omissão do Poder Público na oferta de transporte especializado configura violação grave a direitos fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário intervir de forma célere e efetiva para garantir sua proteção.

Conclusão

É direito das pessoas com deficiência o acesso a transporte público especializado, seguro, gratuito e adaptado, condição indispensável para a efetivação dos direitos à educação, à saúde e à participação social. Trata-se de um dever jurídico, político e moral do Estado, que deve ser cumprido de forma ativa e eficiente, especialmente em relação às pessoas em maior situação de vulnerabilidade.

A atuação do advogado e da sociedade civil é fundamental para a defesa e promoção desse direito, utilizando-se dos instrumentos jurídicos disponíveis para compelir o Poder Público a cumprir sua função constitucional e garantir a dignidade da pessoa humana em sua plenitude.

Estamos a sua disposição.

Fluxo de Atendimento no Centro TEA Paulista: Atuação Pós-Diagnóstico e Integração com a Rede de Saúde



Fluxo de Atendimento no Centro TEA Paulista: Atuação Pós-Diagnóstico e Integração com a Rede de Saúde

O Centro TEA Paulista que foi inaugurado agorinha, junho de 2025, propo-se como referência estadual no acolhimento, orientação e apoio a pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias.

Importa salientar, com o rigor técnico que se impõe, que referido equipamento público não possui competência para a realização de diagnósticos clínicos de TEA, sejam em crianças ou adultos, atividade que permanece sob a exclusiva responsabilidade dos serviços de saúde municipais e estaduais, conforme disciplinado pelos protocolos vigentes no Sistema Único de Saúde (SUS), em consonância com o Plano Estadual Integrado para Pessoas com TEA (PEIPTEA).

Fluxo de Acesso ao Diagnóstico de TEA no Estado de São Paulo

O processo diagnóstico de TEA, no âmbito do Estado de São Paulo, está estruturado em etapas progressivas que visam garantir a identificação precoce e a correta inserção dos indivíduos nos serviços adequados de cuidado e apoio.

1. Identificação Inicial na Atenção Primária à Saúde

A porta de entrada do fluxo diagnóstico ocorre nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde médicos de família, pediatras e outros profissionais capacitados avaliam sinais indicativos de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Nessa etapa, são utilizadas ferramentas padronizadas de triagem, como a Escala Modificada de Triagem para Autismo em Crianças Pequenas - Revisada (M-CHAT-R). Adicionalmente, agentes comunitários de saúde, capacitados para a detecção precoce, desempenham papel relevante durante as visitas domiciliares, conforme diretrizes municipais que priorizam a atenção básica como eixo estruturante do cuidado em saúde mental.

2. Encaminhamento para Serviços Especializados

Confirmada a suspeita, a criança ou o adulto é encaminhado para unidades de referência, a exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS-I) e dos Centros Especializados em Reabilitação (CER). Nestes serviços, uma equipe multiprofissional – composta por psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos – realiza avaliações clínicas detalhadas e aplicação de instrumentos diagnósticos padronizados, tais como a Escala de Observação para o Diagnóstico de Autismo – Segunda Edição (ADOS-2) e a Escala de Avaliação de Autismo na Infância (CARS).

3. Emissão do Laudo Diagnóstico e Elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS)

Concluído o diagnóstico, a equipe especializada emite laudo técnico descritivo, acompanhado da elaboração de um Projeto Terapêutico Singular (PTS). Este documento define as intervenções terapêuticas indicadas e serve de base para a formalização do direito de acesso a serviços especializados, como os disponibilizados pelo Centro TEA Paulista.

Atuação Exclusivamente Pós-Diagnóstica do Centro TEA Paulista

O Centro TEA Paulista estrutura-se como unidade de suporte pós-diagnóstico, com enfoque no fortalecimento das competências familiares, sociais e educacionais das pessoas com TEA, mediante oferta de serviços complementares aos tratamentos médicos e terapêuticos conduzidos pela rede de saúde.

1. Orientações sobre Direitos e Benefícios Legais

O centro atua prestando orientações jurídicas e administrativas acerca de direitos assegurados às pessoas com TEA, com destaque para a obtenção da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (CipTEA), isenções tributárias, prioridade no atendimento em serviços públicos e acesso a benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

2. Desenvolvimento de Atividades Terapêuticas e de Inclusão Social

São ofertadas diversas atividades com enfoque terapêutico e inclusivo, tais como:

  • Oficinas esportivas (futsal, basquete), com o objetivo de promover o desenvolvimento motor e a socialização.

  • Arteterapia, incluindo atividades como pintura e clube do livro, para favorecer a expressão emocional.

  • Utilização de sala multissensorial, espaço dedicado à estimulação cognitiva e à regulação sensorial.

3. Apoio Psicológico e Educacional a Familiares e Cuidadores

Compreendendo a centralidade da família no cuidado à pessoa com TEA, o centro oferece grupos de apoio psicológico, oficinas de capacitação para cuidadores e disponibiliza materiais educativos, visando reduzir a sobrecarga emocional e aprimorar as práticas de cuidado.

Integração com a Rede Municipal e Estadual de Saúde

O Centro TEA Paulista deve atuar em estreita articulação com a rede de saúde, promovendo a integração e a continuidade dos cuidados:

  • Encaminhamentos cruzados: quando, no atendimento ao público, são identificados casos sem diagnóstico formal de TEA, o centro realiza orientações e encaminha os usuários para a Atenção Básica ou serviços especializados, como os CAPS.

  • Capacitação profissional: promove ações formativas e workshops direcionados a profissionais da rede pública de saúde, visando à disseminação de práticas baseadas em evidências.

  • Monitoramento compartilhado: integra suas bases de dados aos sistemas municipais, com vistas à otimização dos recursos e à prevenção da duplicidade de atendimentos.


A atuação exclusivamente pós-diagnóstica do Centro TEA Paulista evidencia as limitações estruturais da rede pública quanto ao diagnóstico precoce de TEA:

  • Filas de espera: na capital paulista, o tempo médio para avaliação multidisciplinar pode variar entre 8 e 14 meses.

  • Desigualdades regionais: municípios do interior do estado, notadamente os de pequeno porte, enfrentam severa escassez de profissionais especializados, comprometendo a tempestividade do diagnóstico.

Para mitigar tais desafios, o Centro TEA Paulista desempenha papel de ponte qualificada entre as famílias e a rede pública de saúde, oferecendo orientações jurídicas quanto à possibilidade de judicialização para garantir o acesso célere ao diagnóstico e aos tratamentos necessários.


O Centro TEA Paulista consolida-se como um polo estratégico de apoio e fortalecimento da rede de atenção pós-diagnóstica, sem, contudo, substituir os serviços diagnósticos que permanecem sob a competência dos serviços de saúde pública. Sua atuação integrada potencializa as políticas públicas de inclusão e cuidado à pessoa com TEA, contribuindo para a ampliação dos direitos e a melhoria da qualidade de vida dos usuários e de suas famílias.

Pedro Alem Santinho


sábado, 31 de maio de 2025

Intervenção da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo: Análise do Afastamento de Diretores Escolares e Suas Implicações

 

Intervenção da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo: Análise do Afastamento de Diretores Escolares e Suas Implicações

A intervenção realizada pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo em maio de 2025, que resultou no afastamento de 25 diretores de escolas municipais, representa um marco controverso na gestão educacional paulistana. Esta medida, justificada pelo baixo desempenho das unidades escolares no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e no Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana (IDEP) de 2023, gerou amplo debate sobre autonomia escolar, gestão democrática e os critérios utilizados para avaliar a qualidade educacional. O episódio evidencia tensões entre políticas centralizadoras de gestão educacional e princípios de participação comunitária na administração escolar, levantando questionamentos sobre a constitucionalidade e efetividade de tais intervenções. A análise dos dados educacionais revela que apenas 24,5% das escolas municipais de ensino fundamental inicial atingiram a meta IDEB de 6 pontos, enquanto nos anos finais apenas 10% alcançaram a meta de 5,5 pontos, contextualizando os desafios enfrentados pela rede municipal[3].

O que temos de novo?

Em 22 de maio de 2025, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo executou uma intervenção coordenada que afetou 25 escolas da rede municipal. Os diretores foram convocados para reuniões em suas respectivas Diretorias Regionais de Ensino (DREs), onde foram informados sobre seus afastamentos dos cargos[4]. A justificativa apresentada pela administração municipal centrou-se no desempenho insatisfatório das unidades escolares nos indicadores educacionais de 2023, especificamente no IDEB e IDEP.

A medida foi implementada como parte do "Programa Juntos pela Aprendizagem", instituído pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em 25 de abril de 2025. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, os profissionais afastados atuavam há pelo menos quatro anos em unidades consideradas prioritárias e seriam submetidos a uma "requalificação intensiva" entre maio e dezembro de 2025. Durante este período, assistentes de direção assumiriam a gestão das escolas afetadas, com indicação de outros profissionais pelas respectivas DREs para ocupar as posições de auxiliares.


Quais foram as escolas atacadas?

As unidades escolares atingidas pela intervenção compartilham características específicas que as tornam casos emblemáticos dentro da rede municipal. Algumas das escolas afetadas são reconhecidas nacionalmente como referências em Educação Integral, desenvolvendo projetos pedagógicos democráticos e currículos críticos. Um exemplo notável é a EMEF Espaço de Bitita, que atende uma comunidade diversificada composta por 40% de estudantes migrantes e refugiados, 40 crianças com deficiência e outras 150 que vivem em Centros Temporários de Acolhimento (CTA) e no programa Vila Reencontro.

A Faculdade de Educação da USP destacou que as escolas afetadas atendem predominantemente comunidades em alta vulnerabilidade social e desenvolvem projetos pedagógicos alinhados à gestão democrática, à valorização das culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas, e à superação de desigualdades[6]. Esta caracterização sugere que a intervenção pode ter impacto desproporcional em unidades que atendem populações mais vulneráveis, levantando questões sobre equidade na aplicação de critérios avaliativos.

E o que diz a lei?

O afastamento dos diretores fundamenta-se em dispositivos específicos da legislação municipal, particularmente na Lei nº 14.660 de 2007, que consolida o Estatuto dos Profissionais da Educação Municipal. O artigo 66 desta lei estabelece as condições sob as quais titulares efetivos de cargos da Carreira do Magistério Municipal podem ser afastados do exercício de seus cargos por autorização do Secretário Municipal de Educação[8]. A alínea "b" do inciso IX do artigo 66 prevê especificamente a possibilidade de afastamento para fins de avaliação de desempenho[1][9].

A Instrução Normativa SME nº 27, de 8 de maio de 2025, alterou procedimentos para designação de profissionais de educação e substituição de cargos nas unidades educacionais. Esta normativa estabeleceu novos critérios para a substituição de diretores de escola, definindo que nos períodos superiores a 30 dias, caberá ao Conselho de Escola eleger o substituto, exceto nos afastamentos realizados nos termos da alínea "b" do inciso IX do artigo 66 da Lei nº 14.660. O parágrafo único do artigo 7º desta instrução normativa especificamente exclui a participação dos conselhos escolares nos afastamentos por avaliação de desempenho.

Questionamentos Jurídicos

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) questionou formalmente a legalidade dos afastamentos, concedendo prazo de cinco dias para que a prefeitura esclareça os motivos da medida[1]. A representação foi feita pelo vereador Celso Giannazi (PSOL), pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) e pela deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL), que apontaram ausência de contraditório, defesa e motivação individualizada nos afastamentos[1].

O despacho da promotora Fernanda Peixoto Cassiano, assinado em 23 de maio, destaca que os afastamentos não devem retroagir a resultados obtidos antes da vigência da lei e cobra informações sobre a existência dos instrumentos legais exigidos pela própria norma, como o decreto de avaliação institucional e a portaria que regulamenta o plano de desenvolvimento individual. Esta exigência evidencia possíveis lacunas na fundamentação legal da medida.

Indicadores Educacionais e Critérios de Avaliação

Desempenho no IDEB e IDEP

A análise dos dados do IDEB 2023 revela um cenário desafiador para a rede municipal de São Paulo. Para os anos iniciais do Ensino Fundamental (1º a 5º ano), a meta estabelecida foi de 6 pontos, mas apenas 24,5% das 457 escolas que tiveram pontuações divulgadas pelo MEC conseguiram atingir essa nota, com média de 5,6 pontos[3]. A situação é ainda mais crítica nos anos finais do Ensino Fundamental (6º a 9º ano), onde a meta de 5,5 pontos foi alcançada por apenas 10% das 330 escolas avaliadas, com média municipal de 4,8 pontos.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana (IDEP) representa um instrumento específico da rede municipal, calculado pela Secretaria Municipal de Educação com base nos resultados da Provinha e Prova São Paulo, considerando também dados territoriais como o Nível Socioeconômico (Inse) e o Índice de Complexidade de Gestão (ICG). Para os anos iniciais, o IDEP avalia Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Naturais com base nos resultados dos alunos do 3º e 5º ano, enquanto para os anos finais considera os mesmos componentes curriculares com resultados do 7º e 9º anos.

Por fim

É importante contextualizar que nem todas as escolas da rede municipal receberam pontuação no IDEB 2023, fenômeno que pode estar relacionado a fatores como participação inferior a 80% dos estudantes nas provas de avaliação, fornecimento incompleto de informações ao Censo Escolar, ou matrícula inferior a 10 alunos nas etapas avaliadas. Do total de 556 escolas de ensino fundamental da rede municipal, apenas 457 tiveram pontuação divulgada para os anos iniciais e 330 para os anos finais.

A rede estadual também implementou medidas similares, afastando seis diretores efetivos desde 2024 com base em critérios estabelecidos pela Resolução nº 12, de 23 de janeiro de 2025[13][14]. A avaliação estadual considera indicadores como frequência dos estudantes, participação nas provas bimestrais, desempenho no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) ou no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), uso de plataformas digitais e grau de vulnerabilidade da escola.

Polêmica e Reações da Comunidade Educacional

Críticas de Especialistas e Movimentos de Resistência

A medida provocou forte reação da comunidade educacional, gerando críticas de especialistas e movimentos organizados de resistência. A Faculdade de Educação da USP emitiu moção de repúdio, alertando que a ação representa uma tentativa de inserir "interventores" nas escolas públicas e transferir sua gestão à iniciativa privada[6]. A instituição caracterizou o procedimento como uma forma de assédio moral, comparando-o às formas de tortura psicológica utilizadas por empresas multinacionais durante a ditadura civil-militar.

O vereador Celso Giannazi (PSOL) criticou duramente a medida, afirmando que "parece que o prefeito Ricardo Nunes instituiu um AI5 aqui, fazendo intervenção, retirando diretores compulsoriamente das escolas"[2]. Esta declaração evidencia a percepção de autoritarismo associada à intervenção, estabelecendo paralelos com períodos de exceção na história brasileira.

Mobilização Comunitária

Em resposta aos afastamentos, foi organizada uma roda de conversa com diretores afastados no Auditório da Faculdade de Educação da USP, realizada em 27 de maio de 2025. Durante este evento, foram debatidas estratégias de resistência, incluindo propostas para anular as nomeações feitas pela Prefeitura, alegando que estas ferem a prerrogativa dos conselhos escolares.

A mobilização evidencia preocupações sobre a violação da autonomia escolar, princípio garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), que em seu artigo 15 assegura às unidades escolares públicas progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa. O artigo 3º, inciso VIII da mesma lei estabelece a gestão democrática do ensino público como princípio fundamental.

Impacto na Gestão Democrática

A intervenção levanta questões sobre a implementação da gestão democrática nas escolas públicas. O SINPEEM (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal) manifestou defesa da autonomia do Conselho de Escola para eleger a gestão escolar em casos de cargo vago transitoriamente ou por afastamentos. Esta posição contrasta com as exceções estabelecidas pela Instrução Normativa SME nº 27/2025, que exclui a participação dos conselhos escolares nos afastamentos por avaliação de desempenho.

A tensão entre centralização administrativa e participação democrática reflete dilemas mais amplos sobre modelos de gestão educacional. Enquanto a Secretaria Municipal argumenta pela necessidade de responsabilização baseada em resultados, críticos apontam para os riscos de erosão dos mecanismos de participação comunitária na gestão escolar.

Programa de Requalificação e Medidas Complementares

Estrutura do Programa Juntos pela Aprendizagem

O programa de requalificação implementado pela Secretaria Municipal de Educação prevê atividades intensivas de maio a dezembro de 2025, incluindo vivência em outras unidades educacionais. A proposta, denominada "Programa Juntos pela Aprendizagem", foi instituída em 25 de abril de 2025, durante a greve de professores na rede municipal. Durante o período de afastamento, os diretores manterão sua remuneração integral e não sofrerão prejuízos em seus cargos efetivos.

As unidades afetadas contarão com reforço de mais um profissional na equipe gestora, conforme anunciado pela administração municipal. Esta medida visa garantir a continuidade das atividades administrativas e pedagógicas durante o período de transição. A Secretaria Municipal enfatiza que a capacitação tem como objetivo o aprimoramento da gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes.

Medidas Administrativas Correlatas

Paralelamente aos afastamentos, a Secretaria Municipal implementou outras medidas administrativas. A Portaria SME nº 5.780, de 28 de maio de 2025, constituiu Grupos de Mediação de Conflitos nas 13 Diretorias Regionais de Educação (DREs). Cada grupo será formado por profissionais das áreas de supervisão, orientação pedagógica, apoio psicológico e gestão educacional, com atuação na prevenção e resolução de conflitos no ambiente escolar.

Adicionalmente, foi autorizada a dispensa do ponto para profissionais participarem do "6º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflitos: Educação em Direitos Humanos", realizado em 28 de maio de 2025[18]. Estas iniciativas sugerem uma abordagem multifacetada da Secretaria para abordar questões de gestão educacional e clima escolar.

Comparação com Experiências da Rede Estadual

Implementação de Políticas Similares

A rede estadual de São Paulo também implementou medidas de afastamento de diretores, removendo seis profissionais efetivos desde 2024. O governador Tarcísio Freitas (Republicanos) defendeu publicamente esta política, afirmando que "se a resposta não vem, a gente precisa fazer substituição". A justificativa estadual baseia-se na vinculação da permanência de dirigentes a resultados mensuráveis.

A Resolução nº 12, de 23 de janeiro de 2025, que alterou a Resolução SEDUC nº 4, de 19 de janeiro de 2024, regulamenta o processo de avaliação de desempenho dos diretores da rede estadual. Esta normativa considera indicadores como frequência dos estudantes, participação nas provas bimestrais, desempenho no Saresp ou SAEB, uso de plataformas digitais e grau de vulnerabilidade da unidade escolar.

Diferenças de Abordagem

Embora ambas as redes implementem políticas de responsabilização, existem diferenças significativas na abordagem. A rede estadual enfatiza que a permanência de profissionais designados para direção sempre esteve sujeita à avaliação pelas Diretorias de Ensino, caracterizando os afastamentos como parte de práticas já estabelecidas[14]. Em contraste, a intervenção municipal apresenta características mais abruptas e coordenadas, afetando simultaneamente 25 unidades escolares.

O governador Tarcísio destacou que a escolha de dirigentes regionais ocorreu pela primeira vez através de processos coletivos, implementando processos seletivos para escolher os 91 dirigentes de ensino[14]. Esta abordagem contrasta com críticas à rede municipal sobre a falta de participação democrática nos processos de substituição de diretores afastados.

A análise dos afastamentos deve considerar a complexidade do contexto educacional enfrentado pelas escolas municipais de São Paulo. Muitas unidades atendem populações em alta vulnerabilidade social, com desafios que extrapolam os limites da gestão escolar. O caso da EMEF Espaço de Bitita, que atende significativa população migrante e refugiada, exemplifica como fatores socioeconomicos influenciam os resultados educacionais.

O IDEP, especificamente desenvolvido para a rede municipal, procura considerar estes fatores através da inclusão do Nível Socioeconômico (Inse) e do Índice de Complexidade de Gestão (ICG) nos cálculos. Esta abordagem reconhece que escolas em contextos diferentes enfrentam desafios distintos e devem ser avaliadas considerando suas realidades específicas.

Questões sobre Equidade Avaliativa

A concentração dos afastamentos em escolas que atendem comunidades vulneráveis levanta questões sobre equidade nos critérios avaliativos. A Faculdade de Educação da USP alertou que as escolas afetadas desenvolvem projetos pedagógicos voltados à superação de desigualdades e valorização da diversidade cultural. O afastamento de diretores nestas unidades pode comprometer iniciativas pedagógicas específicas desenvolvidas para atender necessidades locais.

A ausência de transparência nos dados do IDEP, que não são de livre acesso público, contrasta com a disponibilidade das informações do IDEB. Esta diferença na transparência dos dados utilizados como critério para os afastamentos gera questionamentos sobre a possibilidade de escrutínio público das decisões administrativas.

O episódio em análise revela tensões estruturais entre as políticas de accountability educacional e os fundamentos que orientam a autonomia das instituições escolares. Embora a Secretaria Municipal de Educação sustente que a intervenção administrativa se justifica pela imperiosa necessidade de aprimorar os resultados educacionais, críticos e especialistas apontam que tal medida acarreta prejuízos significativos à gestão democrática e à participação comunitária — pilares indispensáveis para a construção de uma escola pública inclusiva e comprometida com a cidadania.


Esse embate evidencia um debate mais amplo acerca dos modelos contemporâneos de governança educacional, suscitando reflexões sobre o risco de retrocessos institucionais quando se prioriza excessivamente o controle e a centralização em detrimento da participação social.


A exclusão dos conselhos escolares do processo decisório relativo à substituição de diretores afastados por critérios de avaliação de desempenho — conforme disciplinado pela Instrução Normativa SME nº 27/2025 — configura inequívoca ruptura com os fundamentos participativos que caracterizam a gestão democrática da educação, conforme consagrado na Constituição Federal de 1988 (art. 206, inciso VI) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394/1996, art. 14).


Tal alteração normativa revela uma inflexão preocupante em direção a práticas mais centralizadoras na administração educacional do município, fragilizando os mecanismos de participação efetiva da comunidade escolar. Nesse contexto, impõe-se a necessidade de recentrar as políticas públicas educacionais na valorização da gestão democrática como eixo estruturante, promovendo a corresponsabilização e o fortalecimento dos processos participativos, imprescindíveis para a realização de uma educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.

Desafios de Implementação

A implementação de políticas de responsabilização baseadas exclusivamente em indicadores quantitativos pode gerar efeitos não intencionais. O foco em resultados de avaliações padronizadas pode induzir estreitamento curricular e práticas de ensino dirigidas especificamente para os testes, comprometendo abordagens pedagógicas mais amplas[4]. Escolas que desenvolvem projetos inovadores para atender comunidades específicas podem ser penalizadas por não priorizarem indicadores padronizados.

A experiência internacional em políticas de accountability sugere que intervenções baseadas exclusivamente em resultados de testes podem aumentar desigualdades educacionais, particularmente quando aplicadas sem considerar adequadamente contextos socioeconomicos. A concentração dos afastamentos em escolas que atendem populações vulneráveis em São Paulo pode exemplificar este fenômeno.

Conclusão

A intervenção da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que resultou no afastamento de 25 diretores escolares, representa um marco significativo nas políticas educacionais municipais, gerando amplo debate sobre gestão democrática, autonomia escolar e critérios de avaliação educacional. A medida, justificada pelo baixo desempenho no IDEB e IDEP de 2023, evidencia a implementação de políticas de responsabilização mais rigorosas, mas também levanta questões fundamentais sobre equidade e participação democrática na gestão educacional.

A análise dos dados educacionais revela desafios significativos enfrentados pela rede municipal, com apenas uma minoria das escolas atingindo as metas estabelecidas para os indicadores de qualidade. Contudo, a concentração dos afastamentos em escolas que atendem comunidades vulneráveis e desenvolvem projetos pedagógicos diferenciados sugere a necessidade de critérios avaliativos mais sensíveis aos contextos específicos de cada unidade escolar.

As reações da comunidade educacional, incluindo questionamentos do Ministério Público e mobilização de especialistas, indicam preocupações legítimas sobre a constitucionalidade e adequação pedagógica da medida. A exclusão dos conselhos escolares do processo de substituição de diretores afastados representa uma mudança significativa na governança educacional municipal, afastando-se de princípios participativos estabelecidos na legislação educacional brasileira.

O episódio em questão revela importantes ensinamentos para a formulação de políticas públicas na área educacional, evidenciando que a prioridade deve recair sobre a consolidação de práticas de gestão democrática nas instituições escolares. Mais do que simplesmente buscar o equilíbrio entre mecanismos de accountability e a autonomia das escolas, torna-se imperioso assegurar que as políticas educacionais sejam estruturadas a partir de processos participativos, transparentes e inclusivos, capazes de fortalecer a atuação conjunta da comunidade escolar.


Nesse sentido, é fundamental que eventuais políticas de responsabilização sejam concebidas de modo a respeitar as especificidades e os contextos socioeconômicos das unidades de ensino, evitando, assim, a adoção de medidas punitivas que onerem desproporcionalmente as escolas que atendem populações socialmente vulneráveis. A experiência verificada na rede pública de ensino paulistana demonstra que a busca pela melhoria da qualidade educacional não pode dissociar-se do fortalecimento dos instrumentos de gestão democrática, sob pena de comprometer os avanços na promoção de um sistema educacional mais equitativo e inclusivo.


Portanto, a gestão democrática deve constituir o eixo central das políticas públicas voltadas à educação, na medida em que representa o meio mais legítimo e efetivo para assegurar a participação ativa da comunidade, a transparência administrativa e a corresponsabilização de todos os atores envolvidos no processo educativo, promovendo, assim, uma educação de qualidade socialmente referenciada.


Referencias

1.                        https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/sp/mp-questiona-prefeitura-de-sp-sobre-afastamento-de-diretores-de-escolas/           

2.                        https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2025-05/prefeitura-de-sp-afasta-diretores-de-escolas-mal-avaliadas-no-ideb       

3.                        https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/educacao/noticia/2025/05/25/entenda-por-que-diretores-da-rede-municipal-de-sp-foram-afastados-quais-os-indicadores-utilizados-e-as-criticas-a-medida.ghtml     

4.                        https://educacaointegral.org.br/reportagens/afastamento-de-diretores-escolares-em-sao-paulo-sp-impoe-retrocessos-para-a-rede-alertam-especialistas/      

5.                        https://educacaointegral.org.br/reportagens/afastamento-de-diretores-em-sao-paulo-sp-gera-criticas-e-mobilizacao-de-comunidades/   

6.                        https://www.cartacapital.com.br/educacao/a-luta-de-25-escolas-para-reverter-decisao-de-ricardo-nunes-de-afastar-diretores/       

7.                        http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-14660-de-26-de-dezembro-de-2007

8.                        https://www.sinesp.org.br/quem-somos/legis/272-cargo-carreira/designacao/3690-lei-n-14-660-de-26-12-2007-artigos-55-a-58-66-e-118-designacao-dispoe-so-bre-alteracoes-das-leis-n-11-229-de-26-de-junho-de-1992-n-11-434-de-12-de-novembro-de-1993-e-legislacao-subsequente-reorganiza-o-quadro-dos-profissionais-de-educacao-com-as-respectivas-carreiras-criado-pela-lei-n-11-434-de-1993-e-consolida-o-estatuto-dos-profissionais-da-educacao-municipal 

9.                        https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/instrucao-normativa-secretaria-municipal-de-educacao-sme-51-de-20-de-dezembro-de-2022/consolidado 

10.                    https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/instrucao-normativa-secretaria-municipal-de-educacao-sme-27-de-8-de-maio-de-2025    

11.                    https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/instrucao-normativa-secretaria-municipal-de-educacao-sme-27-de-8-de-maio-de-2025/detalhe

12.                    https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/idep/  

13.                    https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/05/27/governo-de-sp-afasta-diretores-de-escolas-entenda-por-que.htm  

14.                    https://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2025/05/28/se-a-resposta-nao-vem-a-gente-precisa-fazer-substituicao-diz-tarcisio-sobre-afastamento-de-diretores-de-escolas.ghtml        

15.                    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm 

16.                    https://www.sinpeem.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=15574

17.                    https://www.aprofem.com.br/sme-publica-nova-portaria-sobre-grupos-de-mediacao-de-conflitos-nas-dres 

18.                    https://www.sinesp.org.br/legislacao/saiu-no-doc-legislacao/21860-portaria-sme-n-5-741-de-27-05-2025-autoriza-a-dispensa-do-ponto-dos-profissionais-inscritos-para-participarem-do-evento-6-grande-encontro-das-comissoes-de-mediacao-de-conflitos-educacao-em-direitos-humanos


STJ, Canabidiol e o Direito à Saúde: quando a letra fria da lei congela vidas quentes

 A recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negando a obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras de plano...