1. Dados do Processo:
- Supremo Tribunal Federal (STF)
- ADI 2.213-DF e ADI 2.411-DF
- Plenário
- Relator: Ministro Nunes Marques
- Julgamento virtual finalizado em 18/12/2023
2. Contextualização e Antecedentes: O caso em análise trata da constitucionalidade de disposições introduzidas por medida provisória editada em 2001, que estabeleceu restrições ao procedimento administrativo de reforma agrária em propriedades rurais invadidas por movimentos sociais. O objetivo da norma era impedir a realização de vistorias em imóveis ocupados irregularmente, as quais são essenciais para a verificação do cumprimento da função social da propriedade e da produtividade, conforme determinação constitucional prevista no artigo 184 da Constituição Federal.
A medida provisória estabeleceu as seguintes regras:
- Imóveis rurais invadidos por movimentos sociais não poderiam ser objeto de vistoria;
- Caso ocorresse uma invasão, o prazo de impedimento para a realização da vistoria seria de dois anos;
- Em caso de reincidência da invasão, o prazo de impedimento seria dobrado.
3. Questão Jurídica Central: A questão fundamental submetida ao STF consistiu em definir se as restrições impostas pela medida provisória violavam o direito à reforma agrária e os princípios constitucionais que disciplinam a função social da propriedade, considerando o artigo 184 da Constituição Federal, que autoriza a desapropriação para fins de reforma agrária em casos de descumprimento dessa função.
4. Tese Firmada pelo Supremo Tribunal Federal: O Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs 2.213 e 2.411, fixou importantes balizas interpretativas quanto à relação entre invasões de propriedades rurais e o processo de reforma agrária, com os seguintes pontos centrais:
a) Invasão não impede desapropriação caso a vistoria já tenha sido realizada: Se a vistoria do imóvel rural foi efetivada antes da invasão e há demora injustificada do governo em concluir o processo de reforma agrária, a invasão não constitui obstáculo para a desapropriação.
b) Dimensão e efeito da invasão no imóvel: Para que a invasão configure impedimento à vistoria, ela deve ocorrer em uma extensão do imóvel que efetivamente inviabilize sua utilização para a atividade produtiva ou para o cumprimento da função social.
c) Produção não implica necessariamente cumprimento da função social: O STF reafirmou o entendimento de que a simples existência de produção no imóvel não significa, por si só, que a propriedade cumpre sua função social. É necessária a verificação de condições de responsabilidade social e de observação aos critérios constitucionais para tal finalidade.
5. Fundamentação Jurídica: O julgamento foi baseado na análise sistemática dos seguintes dispositivos constitucionais:
- Artigo 184 da Constituição Federal: Que autoriza a desapropriação de imóveis rurais que não cumprem a função social, mediante justa e prévia indenização em títulos da dívida agrária.
- Artigo 5º, XXIII: Que prevê a obrigatoriedade do cumprimento da função social da propriedade.
- Artigo 186: Que define os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade rural: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais, observação das relações de trabalho e bem-estar dos trabalhadores.
6. Repercussão Prática da Decisão: A decisão do STF possui importantes implicações para a política de reforma agrária no Brasil:
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Segurança jurídica para movimentos sociais e proprietários rurais: Reforça que invasões não devem paralisar processos de desapropriação quando a vistoria já foi realizada, garantindo avanço nas políticas de reforma agrária e impedindo abusos.
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Critério objetivo para o impedimento de vistoria: A invasão só impede a vistoria se comprometer efetivamente a utilização do imóvel, conferindo maior objetividade à aplicação da norma.
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Fortalecimento do conceito de função social da propriedade: Destaca-se a necessidade de fiscalização efetiva para assegurar que a propriedade rural cumpra sua função social em todos os seus aspectos, não se limitando apenas à existência de produção.
7. Conclusão: O julgamento do STF nas ADIs 2.213-DF e 2.411-DF representou um marco relevante no debate sobre reforma agrária e invasões de terras, equilibrando os direitos dos proprietários com a efetivação do princípio da função social da propriedade e conferindo maior segurança jurídica ao processo de desapropriação para fins de reforma agrária no Brasil.