A recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negando a obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras de planos de saúde de medicamentos à base de canabidiol para uso domiciliar, expõe um choque duro entre o formalismo jurídico e a realidade pulsante de milhares de famílias brasileiras.
O fundamento invocado é conhecido: a Lei nº 9.656/98, desde sua origem, exclui medicamentos de uso domiciliar da cobertura mínima obrigatória. O raciocínio técnico é impecável, mas o que me preocupa — e deveria preocupar toda a sociedade — é o efeito concreto dessa decisão. Porque na vida real não falamos de abstrações, falamos de gente.
O preço da saúde e o custo da exclusão
O canabidiol tem mudado vidas: pacientes com epilepsia refratária, transtornos neurológicos, autismo e condições crônicas encontram nele um fio de esperança. Quando os planos se eximem de custear o tratamento, essa esperança se converte em desespero para famílias que não conseguem arcar com valores que facilmente ultrapassam milhares de reais mensais.
Estamos, em pleno século XXI, reproduzindo um sistema de saúde que trata a doença como um privilégio de quem pode pagar — enquanto a Constituição Federal assegura o contrário no seu artigo 196: a saúde é direito de todos e dever do Estado.
E o SUS no meio disso tudo?
O vácuo deixado pela decisão não fica no ar. Ele cai direto nos ombros já arqueados do Sistema Único de Saúde. Famílias desassistidas pelo setor privado recorrerão ao SUS, seja via programas específicos, seja pela via judicial. O resultado? Mais filas, mais ações judiciais, mais sobrecarga para um sistema que já resiste com dificuldade diante de subfinanciamento crônico.
O que o futuro nos reserva?
No horizonte, há alguma luz: tramita no Senado o PL 89/2023, que busca regulamentar o fornecimento de medicamentos derivados do canabidiol pelo SUS. Se aprovado, pode representar um avanço histórico — não apenas pelo acesso ao medicamento, mas pelo que simboliza: a reafirmação de que a dignidade humana não pode depender da renda mensal de uma família.
Conclusão: a saúde não pode ser seletiva
A decisão do STJ está dentro da legalidade, mas a legalidade, sozinha, não garante justiça. Quando normas frias encontram realidades incandescentes, cabe a nós — advogados, movimentos sociais, legisladores e cidadãos — provocar o debate.
Porque o direito à saúde, como todo direito humano, não pode ser capturado por tecnicalidades contratuais. Ele precisa ser garantido na vida real, na casa do paciente, na mesa da família e na rotina do cuidador.
E é por isso que, diante de decisões como essa, seguimos vigilantes, exigindo que a lei e as instituições caminhem na mesma direção que a vida: para frente, e para todos.