quinta-feira, 5 de junho de 2025

O Direito das Pessoas com Deficiência ao Transporte Público Especializado: Garantia Constitucional e Dever Estatal

 



O direito das pessoas com deficiência ao transporte público especializado constitui garantia constitucional inafastável e impõe ao Estado brasileiro o dever de assegurar meios acessíveis, seguros e adaptados para o pleno exercício de direitos fundamentais, especialmente o acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à participação social.

O transporte público convencional, ainda que disponha de veículos adaptados, muitas vezes não se revela suficiente para suprir as necessidades específicas de pessoas com deficiência, que carecem de condições personalizadas de deslocamento, com acompanhamento, segurança e conforto. Neste contexto, destaca-se a importância de serviços como o SEC – Serviço Especial Conveniado – LIGADO, disponibilizado pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo – EMTU, que assegura transporte “porta a porta”, gratuito e especializado para pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida severa.

Fundamentação Constitucional e Legal

O direito à acessibilidade encontra fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cujo art. 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Além disso, a Constituição reconhece a educação e a saúde como direitos sociais fundamentais (art. 6º) e atribui ao Estado o dever de promovê-los, garantindo o acesso universal e igualitário aos serviços públicos (art. 196).

A proteção das pessoas com deficiência é especialmente destacada no art. 227, ao impor à família, à sociedade e ao Estado a obrigação de assegurar, com absoluta prioridade, direitos como a educação, a saúde, a dignidade e o respeito.

O art. 208, inciso VII, reforça que cabe ao Estado garantir o atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de transporte, alimentação e assistência à saúde, evidenciando que o transporte escolar não constitui mera liberalidade estatal, mas sim um dever jurídico e social.

Além da Constituição, o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico com status de norma constitucional (Decreto nº 6.949/2009). Referido instrumento, em seu art. 9º, obriga os Estados Partes a assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso ao transporte em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, promovendo o direito à mobilidade pessoal de maneira independente.

No âmbito da legislação infraconstitucional, destaca-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015), que estabelece, em seu art. 46, que:

“É assegurado à pessoa com deficiência o direito ao transporte e à mobilidade com segurança, conforto e autonomia, em condições de igualdade com as demais pessoas.”

Ainda, o art. 28, inciso I, impõe ao poder público o dever de:

“assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizagem ao longo de toda a vida.”

O direito ao transporte especializado também é reafirmado no contexto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990), que garante à criança e ao adolescente o acesso à escola pública gratuita próxima de sua residência (art. 53, V), bem como estabelece, em seu art. 4º, a prioridade absoluta na efetivação de direitos como educação, saúde e dignidade.

O Serviço LIGADO e sua Finalidade Social

O serviço LIGADO, mantido pela EMTU, desempenha papel crucial na garantia da acessibilidade a pessoas com deficiência, promovendo transporte gratuito entre suas residências e instituições que prestam atendimento especializado nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer.

Trata-se de serviço estruturado por meio de vans e micro-ônibus adaptados, operados por convênios firmados com órgãos públicos e instituições especializadas, como a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e a Associação Amigos dos Autistas (AMA).

A importância do transporte especializado transcende a mera facilitação logística. Ele é, na verdade, instrumento de promoção da inclusão social, permitindo que a pessoa com deficiência exerça plenamente seus direitos e participe da vida comunitária de forma digna, segura e autônoma.

Como bem sintetiza a missão institucional do serviço:

“Nosso objetivo é oferecer transporte acessível, seguro e eficiente a um público que não consegue utilizar o Sistema Regular, ainda que os veículos sejam adaptados. Assim, podemos promover a inclusão social desses cidadãos, garantindo que eles tenham acesso aos programas específicos do Governo nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer.”
(Fonte: Site oficial da EMTU.)

Jurisprudência e Reconhecimento do Dever Estatal

A jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que é obrigação do Poder Público assegurar transporte especializado e gratuito à pessoa com deficiência, especialmente quando esta se encontra em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou em diversas oportunidades nesse sentido:

TJSP – Apelação nº 1567641-0/6, 12ª Câmara de Direito Público:

“OBRIGAÇÃO DE FAZER - Fornecimento de transporte coletivo gratuito - Autora portadora de deficiência física decorrente de LER, redução da capacidade visual e problemas cardíacos. Deficiências que efetivamente legitimam a concessão do benefício pleiteado - Acesso gratuito ao transporte coletivo devido pela Municipalidade ré - Sentença reformada - Recurso provido.”
(Rel. Des. Wanderley José Federighi, j. 11/05/2011).

TJSP – Apelação/Reexame Necessário nº 0032360-14.2009.8.26.0053, 4ª Câmara de Direito Público:

“DEMANDA MOVIDA CONTRA A FAZENDA DO ESTADO VISANDO O FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR ESPECIALIZADO PARA PORTADOR DE AUTISMO DIREITO ASSEGURADO PELO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM FACE DE QUALQUER DOS ENTES FEDERADOS AÇÃO PROCEDENTE SENTENÇA CONFIRMADA NO SUBSTANCIAL.”
(Rel. Des. Ricardo Feitos, j. 30/07/2012).

TJSP – Apelação nº 0002684-92.2009.8.26.0191, 13ª Câmara de Direito Público:

“Obrigação de Fazer. Fornecimento gratuito de TRANSPORTE adequado à pessoa hipossuficiente e portadora de Autismo Infantil (HDCCID-10 de F84) para tratamento fora do domicílio. Admissibilidade. Direitos fundamentais à vida, à saúde e educação, assegurados pela Constituição Federal. Recursos voluntário e oficial, não providos.”
(Rel. Des. Peiretti de Godoy, j. 25/08/2010).

Esses precedentes revelam que a negativa ou omissão do Poder Público na oferta de transporte especializado configura violação grave a direitos fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário intervir de forma célere e efetiva para garantir sua proteção.

Conclusão

É direito das pessoas com deficiência o acesso a transporte público especializado, seguro, gratuito e adaptado, condição indispensável para a efetivação dos direitos à educação, à saúde e à participação social. Trata-se de um dever jurídico, político e moral do Estado, que deve ser cumprido de forma ativa e eficiente, especialmente em relação às pessoas em maior situação de vulnerabilidade.

A atuação do advogado e da sociedade civil é fundamental para a defesa e promoção desse direito, utilizando-se dos instrumentos jurídicos disponíveis para compelir o Poder Público a cumprir sua função constitucional e garantir a dignidade da pessoa humana em sua plenitude.

Estamos a sua disposição.

Fluxo de Atendimento no Centro TEA Paulista: Atuação Pós-Diagnóstico e Integração com a Rede de Saúde



Fluxo de Atendimento no Centro TEA Paulista: Atuação Pós-Diagnóstico e Integração com a Rede de Saúde

O Centro TEA Paulista que foi inaugurado agorinha, junho de 2025, propo-se como referência estadual no acolhimento, orientação e apoio a pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias.

Importa salientar, com o rigor técnico que se impõe, que referido equipamento público não possui competência para a realização de diagnósticos clínicos de TEA, sejam em crianças ou adultos, atividade que permanece sob a exclusiva responsabilidade dos serviços de saúde municipais e estaduais, conforme disciplinado pelos protocolos vigentes no Sistema Único de Saúde (SUS), em consonância com o Plano Estadual Integrado para Pessoas com TEA (PEIPTEA).

Fluxo de Acesso ao Diagnóstico de TEA no Estado de São Paulo

O processo diagnóstico de TEA, no âmbito do Estado de São Paulo, está estruturado em etapas progressivas que visam garantir a identificação precoce e a correta inserção dos indivíduos nos serviços adequados de cuidado e apoio.

1. Identificação Inicial na Atenção Primária à Saúde

A porta de entrada do fluxo diagnóstico ocorre nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde médicos de família, pediatras e outros profissionais capacitados avaliam sinais indicativos de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Nessa etapa, são utilizadas ferramentas padronizadas de triagem, como a Escala Modificada de Triagem para Autismo em Crianças Pequenas - Revisada (M-CHAT-R). Adicionalmente, agentes comunitários de saúde, capacitados para a detecção precoce, desempenham papel relevante durante as visitas domiciliares, conforme diretrizes municipais que priorizam a atenção básica como eixo estruturante do cuidado em saúde mental.

2. Encaminhamento para Serviços Especializados

Confirmada a suspeita, a criança ou o adulto é encaminhado para unidades de referência, a exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS-I) e dos Centros Especializados em Reabilitação (CER). Nestes serviços, uma equipe multiprofissional – composta por psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos – realiza avaliações clínicas detalhadas e aplicação de instrumentos diagnósticos padronizados, tais como a Escala de Observação para o Diagnóstico de Autismo – Segunda Edição (ADOS-2) e a Escala de Avaliação de Autismo na Infância (CARS).

3. Emissão do Laudo Diagnóstico e Elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS)

Concluído o diagnóstico, a equipe especializada emite laudo técnico descritivo, acompanhado da elaboração de um Projeto Terapêutico Singular (PTS). Este documento define as intervenções terapêuticas indicadas e serve de base para a formalização do direito de acesso a serviços especializados, como os disponibilizados pelo Centro TEA Paulista.

Atuação Exclusivamente Pós-Diagnóstica do Centro TEA Paulista

O Centro TEA Paulista estrutura-se como unidade de suporte pós-diagnóstico, com enfoque no fortalecimento das competências familiares, sociais e educacionais das pessoas com TEA, mediante oferta de serviços complementares aos tratamentos médicos e terapêuticos conduzidos pela rede de saúde.

1. Orientações sobre Direitos e Benefícios Legais

O centro atua prestando orientações jurídicas e administrativas acerca de direitos assegurados às pessoas com TEA, com destaque para a obtenção da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (CipTEA), isenções tributárias, prioridade no atendimento em serviços públicos e acesso a benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

2. Desenvolvimento de Atividades Terapêuticas e de Inclusão Social

São ofertadas diversas atividades com enfoque terapêutico e inclusivo, tais como:

  • Oficinas esportivas (futsal, basquete), com o objetivo de promover o desenvolvimento motor e a socialização.

  • Arteterapia, incluindo atividades como pintura e clube do livro, para favorecer a expressão emocional.

  • Utilização de sala multissensorial, espaço dedicado à estimulação cognitiva e à regulação sensorial.

3. Apoio Psicológico e Educacional a Familiares e Cuidadores

Compreendendo a centralidade da família no cuidado à pessoa com TEA, o centro oferece grupos de apoio psicológico, oficinas de capacitação para cuidadores e disponibiliza materiais educativos, visando reduzir a sobrecarga emocional e aprimorar as práticas de cuidado.

Integração com a Rede Municipal e Estadual de Saúde

O Centro TEA Paulista deve atuar em estreita articulação com a rede de saúde, promovendo a integração e a continuidade dos cuidados:

  • Encaminhamentos cruzados: quando, no atendimento ao público, são identificados casos sem diagnóstico formal de TEA, o centro realiza orientações e encaminha os usuários para a Atenção Básica ou serviços especializados, como os CAPS.

  • Capacitação profissional: promove ações formativas e workshops direcionados a profissionais da rede pública de saúde, visando à disseminação de práticas baseadas em evidências.

  • Monitoramento compartilhado: integra suas bases de dados aos sistemas municipais, com vistas à otimização dos recursos e à prevenção da duplicidade de atendimentos.


A atuação exclusivamente pós-diagnóstica do Centro TEA Paulista evidencia as limitações estruturais da rede pública quanto ao diagnóstico precoce de TEA:

  • Filas de espera: na capital paulista, o tempo médio para avaliação multidisciplinar pode variar entre 8 e 14 meses.

  • Desigualdades regionais: municípios do interior do estado, notadamente os de pequeno porte, enfrentam severa escassez de profissionais especializados, comprometendo a tempestividade do diagnóstico.

Para mitigar tais desafios, o Centro TEA Paulista desempenha papel de ponte qualificada entre as famílias e a rede pública de saúde, oferecendo orientações jurídicas quanto à possibilidade de judicialização para garantir o acesso célere ao diagnóstico e aos tratamentos necessários.


O Centro TEA Paulista consolida-se como um polo estratégico de apoio e fortalecimento da rede de atenção pós-diagnóstica, sem, contudo, substituir os serviços diagnósticos que permanecem sob a competência dos serviços de saúde pública. Sua atuação integrada potencializa as políticas públicas de inclusão e cuidado à pessoa com TEA, contribuindo para a ampliação dos direitos e a melhoria da qualidade de vida dos usuários e de suas famílias.

Pedro Alem Santinho


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