segunda-feira, 20 de outubro de 2025

A Lenda do Tênis e a Tragédia dos Pontos Cegos da Medicina






Arthur Ashe não foi apenas um dos maiores tenistas da história; ele foi um ativista incansável por direitos civis. Sua vida, no entanto, foi tragicamente interrompida por uma falha que expôs os "pontos cegos" e a "ignorância científica" da medicina em sua época.
A História de um Pioneiro
Nascido em 1943, em Richmond, Virgínia, no sul segregado dos Estados Unidos, Arthur Ashe quebrou barreiras raciais no mundo predominantemente branco do tênis. Ele é, até hoje, o único homem negro a vencer os títulos de simples de Wimbledon (1975), do US Open (1968) e do Aberto da Austrália (1970).
Sua influência ia muito além das quadras. Ashe foi uma voz proeminente contra o apartheid na África do Sul. Após ter seu visto negado por anos, ele finalmente foi autorizado a jogar no país em 1973, usando sua plataforma para desafiar o regime. Em 1985, foi preso em Washington, D.C., durante um protesto anti-apartheid.
A Tragédia Médica e a Ciência da Época
A tragédia médica de Ashe é destacada no livro Pontos Cegos (Blind Spots), do Dr. Marty Makary. O autor relata que, após sofrer um ataque cardíaco, Ashe passou por uma cirurgia cardíaca em 1983. Makary ressalta que a vida do tenista "poderia ter sido salva pela abordagem cautelosa do dr. Rucker quanto à transfusão de sangue".
Apesar dos alertas de especialistas como o Dr. Rucker de que o suprimento de sangue não era seguro, Ashe recebeu uma transfusão para auxiliar em sua recuperação. Essa transfusão estava contaminada com o HIV.
O que Makary descreve como a "ignorância científica" da época reflete o perigoso hiato entre a descoberta e a ação. O HIV/AIDS só havia sido identificado clinicamente em 1981. Embora a evidência de transmissão pelo sangue já se acumulasse em 1982 e 1983, um teste de triagem para o HIV no sangue doado só foi desenvolvido e amplamente implementado em 1985.
A "negligência médica" que Makary aponta é precisamente esta: a comunidade médica demorou a agir com base nas evidências que já possuía. Arthur Ashe recebeu sua transfusão fatal em 1983, dois anos antes de a triagem se tornar padrão. Ele viveu sem saber de sua condição até 1988, quando foi hospitalizado devido a sintomas neurológicos causados por toxoplasmose, uma infecção oportunista comum em pacientes com AIDS.
O Legado Final
Ashe manteve seu diagnóstico privado até 1992, quando, pressionado por uma reportagem iminente, decidiu anunciar publicamente sua doença. Em vez de se esconder, ele passou o último ano de sua vida transformando sua tragédia pessoal em uma cruzada pública.
Ele criou a "Arthur Ashe Foundation for the Defeat of AIDS" (Fundação Arthur Ashe para a Derrota da AIDS) e discursou na Assembleia Geral da ONU no Dia Mundial da AIDS. Pouco antes de sua morte, por pneumonia relacionada à AIDS em fevereiro de 1993, aos 49 anos, ele fundou o "Arthur Ashe Institute for Urban Health" (Instituto Arthur Ashe para a Saúde Urbana), focado em combater as disparidades de saúde em comunidades carentes.
Hoje, o estádio principal do US Open, em Nova York, leva seu nome — uma homenagem não apenas ao campeão de tênis, mas ao ativista humanitário cuja morte expôs falhas fatais na ciência e na prática médica.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

PGV 2026: isenções que não isentam; travas que não protegem; a máquina de desigualdade do IPTU em São Paulo

PGV 2026: isenções que não isentam; travas que não protegem; a máquina de desigualdade do IPTU em São Paulo

 

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou em primeiro turno, no dia 8 de outubro de 2025, o Projeto de Lei 1130/2025 que atualiza a Planta Genérica de Valores (PGV), estabelecendo novas bases de cálculo para o IPTU a partir de 2026. A proposta, que recebeu 28 votos favoráveis e 19 contrários, traz impactos diferenciados entre os distritos da cidade, com especial gravidade para as regiões periféricas como Anhanguera.

Distrito Anhanguera: Vulnerabilidade Social e Alto Impacto Tributário

O distrito de Anhanguera, localizado na zona noroeste da capital, exemplifica as contradições da proposta de atualização da PGV. Com uma população de 75.360 habitantes e densidade populacional de apenas 22 hab/ha, é uma das regiões de menor densidade urbana da cidade. O distrito se caracteriza por alta vulnerabilidade social, figurando no grupo 7 de 8 grupos possíveis no mapa de vulnerabilidade social, onde predominam famílias com baixa renda e escolaridade[4].

Características socieconômicas críticas de Anhanguera:

·         Expectativa de vida média de apenas 59 anos, comparada aos 82 anos do Jardim Paulista - uma diferença de 23 anos

·         IDH de 0,774, classificado como médio, ocupando a 82ª posição entre os distritos paulistanos

·         Alta concentração de famílias com renda até 3 salários mínimos

·         Deficiências significativas em infraestrutura urbana e serviços públicos

Impacto Desproporcionalmente Alto do Reajuste

Anhanguera está entre os distritos que sofrerão os maiores impactos percentuais na atualização da PGV. O valor do metro quadrado de terreno passará de R$ 376 para R$ 573, representando um aumento de 53,6% - o quinto maior entre todos os 96 distritos da capital.

Comparação regional revela desproporção:

·         Anhanguera: aumento de 53,6% (valor baixo de R$ 376/m²)

·         Jardim Paulista: aumento de 64,2% (valor alto de R$ 11.723/m²)

·         Distritos centrais consolidados como República: apenas 12,6% de aumento[3]

Discrepâncias Territoriais da Atualização

A análise da nota técnica da camara de vereadores revela padrões problemáticos na distribuição dos reajustes:

Regiões de alta renda com grandes aumentos percentuais mas alta capacidade de pagamento:

·         Jardim Paulista: 64,2% (R$ 11.723 → R$ 18.943/m²)

·         Itaim Bibi: 57,8% (R$ 7.525 → R$ 11.998/m²)

·         Pinheiros: 57,2% (R$ 8.208 → R$ 12.925/m²)

Regiões periféricas com aumentos desproporcionais à capacidade contributiva:

·         Anhanguera: 53,6% (R$ 376 → R$ 573/m²)

·         Jaraguá: 52,9% (R$ 517 → R$ 780/m²)

·         Perus: 48,9% (R$ 434 → R$ 639/m²)

·         Jaçanã: 43,4% (R$ 862 → R$ 1.242/m²)

Consequências Sociais da Política Tributária

A atualização proposta contradiz princípios de progressividade tributária ao impor aumentos proporcionalmente similares entre distritos com capacidades contributivas drasticamente diferentes. Enquanto moradores do Jardim Paulista têm expectativa de vida de 82 anos e alta renda, residentes de Anhanguera enfrentam expectativa de vida 23 anos menor e concentração de pobreza.

Impactos específicos para Anhanguera:

·         Famílias de baixa renda enfrentarão pressão tributária desproporcional

·         Risco de gentrificação forçada em área já carente de infraestrutura

·         Agravamento das desigualdades territoriais existentes

Medidas Mitigatórias Propostas

O projeto inclui algumas contrapartidas para amenizar os impactos[9][10]:

·         Ampliação da isenção total para imóveis até R$ 150 mil (antes R$ 120 mil)

·         Isenção para proprietários únicos com imóveis até R$ 260 mil (antes R$ 230 mil)

·         Travas de reajuste: máximo 10% ao ano para residenciais e 12% para comerciais

·         Isenção para imóveis em ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) até 2030

Críticas à Metodologia de Cálculo

A oposição na Câmara Municipal, liderada pela bancada do PT, criticou a metodologia da PGV por beneficiar o centro expandido em detrimento das periferias. Segundo análise partidária, a variação acumulada do patrimônio imobiliário da periferia será de 137% entre 2021-2026, enquanto no centro será de 83% no mesmo período.

Necessidade de Tramitação Responsável

O projeto ainda deve passar por audiências públicas e segunda votação antes da sanção do prefeito Ricardo Nunes. A complexidade dos impactos regionais demanda análise cuidadosa dos efeitos sobre a população mais vulnerável, especialmente em distritos como Anhanguera que combinam alta vulnerabilidade social com significativo aumento tributário proposto.

A atualização da PGV, embora necessária para adequar a tributação à realidade do mercado imobiliário, deveria considerar com maior rigor os impactos diferenciados sobre as populações periféricas, garantindo que a modernização tributária não aprofunde as já graves desigualdades territoriais da capital paulista.

 

Da insuficiência das medidas mitigatórias propostas

 

Insuficiência material das faixas de isenção

As isenções totais até R$ 150 mil e a isenção ao proprietário de único imóvel até R$ 260 mil não refletem o patamar atual dos valores venais na cidade, sobretudo após a atualização robusta da Planta Genérica de Valores. Em ampla parcela dos distritos periféricos, inclusive em áreas com padrão construtivo modesto, os valores de referência ultrapassam esses tetos, o que expõe famílias de baixa renda ao efeito tributário sem a devida proteção. Há, portanto, descompasso entre o desenho normativo e a realidade de mercado, o que contraria a progressividade material do imposto.

 

Travas de reajuste ainda elevadas frente à renda e à inflação

 

Os limites máximos de 10 por cento ao ano para imóveis residenciais e de 12 por cento para não residenciais permanecem altos quando cotejados com a evolução da renda domiciliar per capita nas bordas urbanas e com os índices de inflação de serviços essenciais. Em distritos com maior vulnerabilidade social, qualquer patamar de dois dígitos na variação anual do IPTU tende a produzir efeito regressivo, comprimindo o orçamento de famílias que já destinam proporção elevada de renda à moradia e ao transporte.

 

Proteção insuficiente e temporária nas ZEIS

A isenção em Zonas Especiais de Interesse Social até 2030 tem escopo temporal curto diante da magnitude dos reajustes e não alcança domicílios de baixa renda localizados fora de perímetros ZEIS, embora sujeitos a dinâmica semelhante de valorização cartorial. A seletividade territorial do benefício, somada ao prazo exíguo, reduz a efetividade da medida para prevenir deslocamentos forçados e processos de gentrificação.

 

Ausência de calibragem por vulnerabilidade e renda

As contrapartidas carecem de um mecanismo robusto de focalização que considere indicadores objetivos de vulnerabilidade, como cadastro em programas sociais, renda familiar, composição domiciliar e deficiência de infraestrutura urbana. Sem esse recorte, a política tende a beneficiar de forma indistinta imóveis com maior capacidade contributiva, ao mesmo tempo em que deixa descobertas famílias em condição de pobreza tributária.

 

Risco de iniquidade intersetorial e territorial

Ao replicar percentuais uniformes de limitação anual, a proposta ignora assimetrias entre regiões de alta renda e periferias urbanas. O resultado previsível é o agravamento de desigualdades, pois o mesmo percentual de reajuste incide sobre bases econômicas e capacidades de pagamento incomparáveis, afetando mais intensamente quem tem menos renda disponível.

 

Ausência de fase de transição escalonada

Não se prevê fase de transição plurianual com degraus de transição suaves e previsíveis, combinando limite nominal absoluto em reais e limite percentual, para amortecer impactos súbitos. Em especial, nos distritos com salto de valor do metro quadrado, a inexistência de transição escalonada torna o choque fiscal desproporcional.

 

Insuficiência de mecanismos de reparo e revisão

Inexiste cláusula de revisão obrigatória com métricas de impacto distributivo, audiências públicas setoriais e gatilhos automáticos de correção caso os indicadores de onerosidade sobre famílias de baixa renda ultrapassem patamares prudenciais. Na prática, a correção de rumo fica dependente de nova iniciativa legislativa, o que é lento e incerto.

 

Fragilidade do desenho para pequenos negócios periféricos

O teto de 12 por cento para imóveis não residenciais atinge de forma sensível pequenos comércios e serviços de bairro que operam com margens reduzidas. Sem um regime diferenciado para micro e pequenas atividades localizadas em áreas vulneráveis, a medida pode desestimular o comércio de proximidade e o emprego local.

 

Efeitos sobre adimplência e litigiosidade

A combinação de bases venais reajustadas com travas elevadas tende a elevar inadimplência e contencioso tributário, transferindo custo administrativo à municipalidade e insegurança às famílias. A ausência de instrumentos de diferimento com preservação do desconto por pontualidade e de programas permanentes de renegociação agrava o problema.

 

Propostas de aprimoramento normativo

a. Elevação e indexação social das faixas de isenção, com atualização anual automática por indicador de renda e por variação do valor venal mediano por subprefeitura.

b. Introdução de desconto progressivo vinculado à renda familiar e à condição de único imóvel, com aplicação automática para inscritos no Cadastro Único e para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

c. Redução dos tetos de variação anual para 5 por cento em residenciais e 7 por cento em não residenciais situados em áreas de alta vulnerabilidade, com cláusula de prevalência do menor entre o percentual e um teto nominal em reais por metro quadrado.

d. Transição plurianual de quatro a cinco exercícios nos distritos com saltos percentuais acima da mediana, com degraus de aplicação gradativa da nova base de cálculo.

e. Regime diferenciado para micro e pequenos estabelecimentos nas periferias, com limitação adicional e possibilidade de crédito tributário condicionado à manutenção de postos de trabalho locais.

f. Isenção integral para imóveis de interesse social fora de ZEIS que atendam critérios de renda e tipologia construtiva, enquanto persistirem indicadores de déficit de infraestrutura essencial.

g. Programa permanente de parcelamento com juros reduzidos, preservando desconto por adimplência e com trilha de educação fiscal, para prevenir inadimplência crônica.

h. Cláusula de avaliação e revisão anual obrigatória, com indicadores de impacto distributivo, participação social e transparência ativa por distrito.

É preciso ir a luta contra essa medida

Conclui-se que as medidas anunciadas, tal como estruturadas, são materialmente insuficientes para neutralizar a carga tributária adicional decorrente da atualização da PGV em territórios de baixa capacidade contributiva. As faixas de isenção não refletem os valores venais correntes; as travas anuais de 10 por cento para imóveis residenciais e 12 por cento para não residenciais permanecem elevadas quando confrontadas com a renda disponível nas periferias e com a inflação de serviços essenciais; a isenção restrita às ZEIS, com horizonte até 2030, revela escopo territorial e temporal limitados; inexiste focalização robusta por renda e vulnerabilidade; não há transição plurianual escalonada para amortecer saltos de valor venal; faltam cláusulas de revisão obrigatória com métricas de impacto distributivo; ignora-se o efeito regressivo sobre pequenos negócios periféricos; e projeta-se, como consequência, o incremento de inadimplência e litigiosidade sem instrumentos permanentes de diferimento e renegociação.

Impõe-se, portanto, correção normativa imediata: elevação e indexação social das isenções; redução das travas anuais em áreas vulneráveis, com conjugação de teto percentual e teto nominal em reais; transição plurianual onde o salto venal superar a mediana; extensão de isenções a imóveis de interesse social fora de ZEIS mediante critérios objetivos de renda; regime diferenciado para micro e pequenos estabelecimentos em periferias; programa permanente de parcelamento com preservação do desconto por pontualidade; e avaliação anual obrigatória, com participação social e transparência por distrito. Em síntese, a conformidade do IPTU aos princípios da capacidade contributiva, da progressividade e da vedação ao confisco exige contrapartidas calibradas por renda, território e vulnerabilidade, com travas mais restritivas, isenções ampliadas, transição prudencial e revisão periódica baseada em evidências, de modo a evitar a intensificação das desigualdades urbanas e a resguardar o mínimo existencial tributário.

 

Pedro Alem Santinho

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

STJ, Canabidiol e o Direito à Saúde: quando a letra fria da lei congela vidas quentes

 A recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negando a obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras de planos de saúde de medicamentos à base de canabidiol para uso domiciliar, expõe um choque duro entre o formalismo jurídico e a realidade pulsante de milhares de famílias brasileiras.

O fundamento invocado é conhecido: a Lei nº 9.656/98, desde sua origem, exclui medicamentos de uso domiciliar da cobertura mínima obrigatória. O raciocínio técnico é impecável, mas o que me preocupa — e deveria preocupar toda a sociedade — é o efeito concreto dessa decisão. Porque na vida real não falamos de abstrações, falamos de gente.

O preço da saúde e o custo da exclusão

O canabidiol tem mudado vidas: pacientes com epilepsia refratária, transtornos neurológicos, autismo e condições crônicas encontram nele um fio de esperança. Quando os planos se eximem de custear o tratamento, essa esperança se converte em desespero para famílias que não conseguem arcar com valores que facilmente ultrapassam milhares de reais mensais.

Estamos, em pleno século XXI, reproduzindo um sistema de saúde que trata a doença como um privilégio de quem pode pagar — enquanto a Constituição Federal assegura o contrário no seu artigo 196: a saúde é direito de todos e dever do Estado.

E o SUS no meio disso tudo?

O vácuo deixado pela decisão não fica no ar. Ele cai direto nos ombros já arqueados do Sistema Único de Saúde. Famílias desassistidas pelo setor privado recorrerão ao SUS, seja via programas específicos, seja pela via judicial. O resultado? Mais filas, mais ações judiciais, mais sobrecarga para um sistema que já resiste com dificuldade diante de subfinanciamento crônico.

O que o futuro nos reserva?

No horizonte, há alguma luz: tramita no Senado o PL 89/2023, que busca regulamentar o fornecimento de medicamentos derivados do canabidiol pelo SUS. Se aprovado, pode representar um avanço histórico — não apenas pelo acesso ao medicamento, mas pelo que simboliza: a reafirmação de que a dignidade humana não pode depender da renda mensal de uma família.

Conclusão: a saúde não pode ser seletiva

A decisão do STJ está dentro da legalidade, mas a legalidade, sozinha, não garante justiça. Quando normas frias encontram realidades incandescentes, cabe a nós — advogados, movimentos sociais, legisladores e cidadãos — provocar o debate.

Porque o direito à saúde, como todo direito humano, não pode ser capturado por tecnicalidades contratuais. Ele precisa ser garantido na vida real, na casa do paciente, na mesa da família e na rotina do cuidador.

E é por isso que, diante de decisões como essa, seguimos vigilantes, exigindo que a lei e as instituições caminhem na mesma direção que a vida: para frente, e para todos.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Porque todos os militantes da saúde devem se somar ao plebiscito popular.


O Plebiscito Popular 2025 representa uma importante iniciativa de democracia participativa no Brasil, organizada por movimentos sociais, centrais sindicais, partidos progressistas e organizações da sociedade civil.

Esta consulta popular mesmo que seja  vinculante, isso é, seu resultado obrigatório para o governo,  busca mobilizar a opinião pública sobre duas questões fundamentais que impactam diretamente a saúde e qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros.


Vamos lá: O que é o Plebiscito Popular 2025


O plebiscito é uma consulta pública voluntária que será realizada entre 01 de julho e 07 de setembro de 2025, permitindo que os brasileiros votem sobre questões centrais para o futuro do país. A votação ocorrerá tanto em urnas físicas instaladas em sindicatos, praças, igrejas, terminais de transporte e locais de trabalho, quanto pela internet através do site www.plebiscitopopular.org.br.

As Duas Principais Pautas

1. Redução da Jornada de Trabalho e Fim da Escala 6x1

A primeira questão aborda a redução da jornada de trabalho sem corte salarial e o fim da escala 6x1 (seis dias trabalhados para um de descanso). Atualmente, o Brasil mantém uma jornada máxima de 44 horas semanais, uma das maiores do mundo. A proposta visa reduzir 40 horas e posteriormente para 36 horas semanais, garantindo mais qualidade de vida aos trabalhadores.

2. Reforma Tributária Progressiva

A segunda questão propõe a isenção total do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais e a taxação progressiva para quem recebe acima de R$ 50 mil por mês. Esta medida busca promover justiça fiscal, aliviando a carga tributária sobre os mais pobres enquanto aumenta a contribuição dos mais ricos.

A Redução da Jornada como Questão de Saúde Pública

Impactos na Saúde Física e Mental

A redução da jornada de trabalho representa uma medida preventiva fundamental para a saúde coletiva. Cirlene Zimmermann, procuradora do Ministério Público do Trabalho, destacou a associação direta entre longas horas de trabalho e doenças físicas e mentais, além de acidentes laborais. Das 20 ocupações com mais acidentes, 12 estão entre as que exigem maior carga horária.

Dados Alarmantes sobre Acidentes de Trabalho

Leonardo Landulfo, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, revelou que o Brasil registrou em 2024 mais de 740 mil acidentes de trabalho e 2,5 mil mortes. Isso significa que a cada três horas e meia, um trabalhador morre em decorrência de acidente. Estes números demonstram que a redução da jornada é uma medida de proteção coletiva urgente.

Benefícios para a Saúde dos Trabalhadores

A redução da carga horária traz impactos diretos e positivos para a saúde:

Diminuição do estresse e melhoria da saúde mental

Redução de doenças físicas relacionadas ao trabalho excessivo

Mais tempo para recuperação e descanso adequado

Prevenção de acidentes causados por fadiga e sobrecarga

Melhoria da qualidade do sono e dos hábitos alimentares


Argumentos de Saúde Pública para os Militantes

A Jornada Excessiva como Determinante Social da Saúde


Para os militantes da saúde, é fundamental compreender que a jornada de trabalho excessiva constitui um determinante social da saúde. O tempo excessivo dedicado ao trabalho compromete:

Acesso aos serviços de saúde (falta de tempo para consultas e exames)

Práticas de autocuidado (exercícios físicos, alimentação adequada)

Saúde mental (isolamento social, depressão, ansiedade)

Saúde familiar (impacto nas relações familiares e cuidado com filhos)


Impacto Desproporcional nas Mulheres


Adriana Marcolino, do Dieese, destacou que a redistribuição do tempo de trabalho pode beneficiar especialmente as mulheres, que ainda acumulam responsabilidades domésticas. A redução da jornada representa uma questão de equidade de gênero e saúde da mulher trabalhadora.

Geração de Empregos e Redução do Desemprego

A redução da jornada também representa uma estratégia de saúde coletiva ao combater o desemprego. Estimativas do Dieese preveem a criação de 3 milhões de novos empregos somente com a redução para 40 horas semanais. O desemprego é reconhecidamente um fator de risco para diversos problemas de saúde mental e física.

A Reforma Tributária e o Acesso à Saúde

Impacto da Isenção do IR até R$ 5 mil

A proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais representa um alívio financeiro significativo para 65% dos declarantes. Para uma família que ganha R$ 5 mil, isso significa uma economia anual de R$ 4.356,89, recursos que podem ser direcionados para:

Alimentação mais saudável

Atividades físicas e lazer

Qualidade de vida

Financiamento do Sistema de Saúde

A taxação progressiva dos mais ricos, com alíquotas de até 10% para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais, pode gerar recursos adicionais para o financiamento do SUS e políticas públicas de saúde.

Mobilização e Perspectivas

O plebiscito representa uma oportunidade histórica para que os profissionais de saúde se posicionem como defensores não apenas da assistência médica, mas também da promoção da saúde através de mudanças estruturais na organização do trabalho e na distribuição de renda.

A campanha, que já mobiliza diversas capitais do país, conta com o apoio de centrais sindicais, movimentos sociais e partidos progressistas, demonstrando a amplitude do apoio popular a essas propostas. Para os militantes da saúde, esta é uma oportunidade de articular a luta por melhores condições de trabalho com a defesa da saúde como direito universal e bem comum.

O período de votação, entre 01/07 e 07/09, será precedido por uma intensa campanha de mobilização que começou em junho, oferecendo múltiplas oportunidades para que os profissionais de saúde se engajem na defesa dessas propostas como questões fundamentais de saúde pública. 

 

O EQUIVOCO DO DECRETO Nº 12.534/2025: UM RETROCESSO NA PROTEÇÃO SOCIAL DOS MAIS VULNERÁVEIS

 


O Decreto nº 12.534, de 25 de junho de 2025, recentemente editado pelo Governo Federal, promoveu alterações relevantes nas normas de concessão e manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS). Embora traga avanços pontuais, como a ampliação de algumas exclusões no cálculo da renda familiar, o decreto incorre em grave equívoco ao reincluir os valores oriundos do Programa Bolsa Família na composição da renda familiar per capita, o que representa uma afronta à lógica constitucional da assistência social como direito fundamental autônomo e não contributivo, com consequências práticas de exclusão de milhares de beneficiários em situação de extrema vulnerabilidade.

1. Violação ao Princípio da Proteção Integral e à Finalidade da Assistência Social

Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, a assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é expressão direta desse mandamento constitucional, destinado a garantir mínimos existenciais para idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza extrema. A inclusão do valor do Bolsa Família – que também se destina a mitigar vulnerabilidades socioeconômicas – no cálculo da renda familiar viola a natureza complementar e cumulativa dos programas assistenciais, prejudicando justamente os que mais precisam de suporte do Estado.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento nesse sentido. O REsp 1.112.557/MG (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho) fixou que rendas de caráter alimentar e assistencial, como o Bolsa Família, não devem ser computadas na aferição da renda familiar para fins de BPC, justamente para não esvaziar a efetividade da proteção social constitucionalmente assegurada.

2. Risco de Exclusão e Agravamento da Pobreza

O efeito imediato da reinclusão do Bolsa Família como componente da renda familiar é o afastamento automático de famílias do direito ao BPC, mesmo quando estas permaneçam em situação de miséria. Trata-se de uma medida regressiva, incompatível com o princípio da proibição do retrocesso social, cuja aplicação é corolário da cláusula do Estado Democrático de Direito e da eficácia dos direitos sociais fundamentais, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 347/DF, Rel. Min. Marco Aurélio).

A análise técnica evidencia o impacto: com mais de 6,2 milhões de beneficiários em 2025 e projeções de ampliação para 14,1 milhões até 2060, a modificação imposta pelo Decreto nº 12.534/2025 poderá interromper a trajetória ascendente de cobertura da política de assistência social, excluindo pessoas que dependem exclusivamente do BPC e do Bolsa Família para sobreviver.

3. Insegurança Jurídica e Inconstitucionalidade Material

A revogação do §2º, inciso II, do art. 4º do Decreto nº 6.214/2007 – que explicitava a exclusão do Bolsa Família do cômputo da renda familiar – não apenas contraria o entendimento jurisprudencial e doutrinário consolidado, como afronta os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da vedação à proteção insuficiente.

Além disso, ao alterar de maneira substancial os critérios para elegibilidade do BPC por meio de decreto presidencial, o Poder Executivo avança sobre competência legislativa do Congresso Nacional, o que pode configurar usurpação de competência, nos termos do art. 48 da Constituição Federal. A matéria, por tratar de direitos sociais de prestação positiva, demanda edição de lei em sentido formal, sob pena de inconstitucionalidade material e formal do novo decreto.

4. Inversão da Lógica da Proteção Social

Ao vincular dois benefícios assistenciais – Bolsa Família e BPC – como se fossem mutuamente excludentes, o decreto subverte a lógica da proteção social. Ambos os programas têm funções distintas, ainda que complementares, e não devem se anular mutuamente. O Bolsa Família visa combater a pobreza por meio da transferência de renda condicionada a ações em educação e saúde; o BPC, por sua vez, é um direito constitucional de prestação continuada e incondicional a pessoas em condições de hipervulnerabilidade.

Permitir que o valor de um benefício assistencial (Bolsa Família) sirva de base para negar o acesso a outro direito (BPC) é inverter a lógica do Estado Social e operar um mecanismo de exclusão disfarçado de critério de elegibilidade.

5. Impactos Discriminatórios e Desproporcionais

A medida impacta de forma desproporcional pessoas com deficiência e idosos em situação de miserabilidade – grupos protegidos por tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), que possui status de emenda constitucional (nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal). A interpretação da legislação infraconstitucional, portanto, deve ser compatível com os tratados internacionais, sob pena de configurar violação de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

É Necessário Revogar ou Reformular o Decreto

Diante de todo o exposto, é possível concluir que o Decreto nº 12.534/2025 incorre em erro jurídico, político e social. Ao tornar mais restritivos os critérios de acesso ao BPC com base em parâmetros que desconsideram a natureza assistencial do Bolsa Família, o governo compromete a eficácia do direito à assistência social, promovendo exclusão disfarçada de racionalidade fiscal.

Ainda que a medida tenha sido justificada sob o argumento de contenção de gastos, é imprescindível lembrar que os direitos sociais não podem ser sacrificados no altar do ajuste fiscal. O BPC é um instrumento constitucional de justiça social, e não um privilégio assistencial. O governo, portanto, deve rever com urgência a redação do decreto, restabelecendo a exclusão do Bolsa Família da base de cálculo da renda familiar e reafirmando o compromisso do Estado com os valores constitucionais da solidariedade, proteção à dignidade humana e justiça social.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O Desperdício na Gestão Nunes: O Caso do "Prédio Ocioso" da UPA Santo Amaro

 


Cidadãos e cidadãs de São Paulo, é fundamental que estejamos atentos à forma como os recursos públicos, provenientes dos nossos impostos, estão sendo gerenciados pela Prefeitura. Um caso emblemático de desperdício e má gestão vem à tona com o prédio da antiga UPA Santo Amaro, na Rua Carlos Gomes.


Um Imóvel Vazio, Milhões em Despesas

Desde junho de 2024, o prédio que antes abrigava a UPA Santo Amaro está completamente desocupado. Apesar de vazio, a Prefeitura de São Paulo, sob a gestão Nunes, continua a pagar um aluguel mensal de R$ 108 mil. Some-se a isso um IPTU anual de R$ 76 mil. Em um ano, isso totaliza um custo absurdo de aproximadamente R$ 1,4 milhão por um imóvel que não está servindo à população!

Para agravar a situação, a UPA Santo Amaro foi transferida para um novo endereço em junho de 2024. Ou seja, a Prefeitura já tinha um novo local para o atendimento, mas optou por manter o aluguel do imóvel antigo, jogando fora o dinheiro que poderia ser investido em áreas essenciais.


Justificativas Insuficientes e Contradições

A Secretaria Municipal da Saúde alega que o imóvel está passando por reformas para receber uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS) e um centro de diagnósticos. Alega também que manter o aluguel evitaria custos de restauração do imóvel.

No entanto, há mais de um ano o prédio está vazio e não há um cronograma claro para a conclusão dessas reformas ou para o início dos novos serviços. Quanto tempo mais a população paulistana terá que arcar com esse custo?

A situação se torna ainda mais questionável quando, um dia após a imprensa questionar a Prefeitura, surge um documento datado de 13 de junho de 2025, encaminhando o imóvel para desapropriação. Se a intenção era desapropriar, por que continuar pagando aluguel por tanto tempo, acumulando um prejuízo milionário aos cofres públicos? A justificativa para a desapropriação ("imóvel adequado... grande dificuldade de encontrarmos imóveis da metragem e construção necessárias") não condiz com a ociosidade e o custo contínuo que estamos vivenciando.


Um Padrão de Gastos Excessivos

Este caso da UPA Santo Amaro não é isolado. Ele se encaixa em um histórico preocupante de gastos excessivos da Prefeitura de São Paulo com aluguéis de imóveis. Entre 2007 e 2019, a prefeitura gastou R$ 1,38 bilhão com locações. As 32 subprefeituras, por exemplo, gastam mensalmente R$ 752 mil em aluguéis, sendo que a maioria sequer possui sede própria.

Casos como o da UBS Vila Anastácio, despejada por falta de pagamento de aluguel, ou o prédio do SAMU, com aluguel de R$ 94 mil por um imóvel parcialmente vazio, reforçam a ideia de uma gestão ineficiente dos bens públicos.


Ferramentas Existem, Mas Estão Sendo Usadas?

A Prefeitura possui instrumentos para combater a ociosidade de imóveis, como o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), o IPTU Progressivo e até mesmo a desapropriação. A própria prefeitura anunciou a desapropriação de imóveis ociosos no centro para habitação social.

Por que, então, a inércia em relação ao prédio da UPA Santo Amaro? Por que esperar mais de um ano e a repercussão da imprensa para iniciar um processo de desapropriação que deveria ter sido considerado muito antes, poupando milhões aos cofres públicos?


Exigimos Transparência e Responsabilidade!

O controle social precisa se manifestar. Não podemos aceitar que nossos impostos sejam utilizados para manter um prédio vazio por mais de um ano, gerando um custo de R$ 1,4 milhão anual, sem um plano claro e transparente.

A gestão Nunes precisa urgentemente apresentar um cronograma detalhado para a utilização do imóvel e justificar os motivos pelos quais o processo de desapropriação não foi iniciado de forma proativa. O dinheiro público é sagrado e deve ser gerido com responsabilidade e eficiência. Exija transparência! Exija uma gestão que valorize o seu dinheiro!

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O Direito das Pessoas com Deficiência ao Transporte Público Especializado: Garantia Constitucional e Dever Estatal

 



O direito das pessoas com deficiência ao transporte público especializado constitui garantia constitucional inafastável e impõe ao Estado brasileiro o dever de assegurar meios acessíveis, seguros e adaptados para o pleno exercício de direitos fundamentais, especialmente o acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à participação social.

O transporte público convencional, ainda que disponha de veículos adaptados, muitas vezes não se revela suficiente para suprir as necessidades específicas de pessoas com deficiência, que carecem de condições personalizadas de deslocamento, com acompanhamento, segurança e conforto. Neste contexto, destaca-se a importância de serviços como o SEC – Serviço Especial Conveniado – LIGADO, disponibilizado pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo – EMTU, que assegura transporte “porta a porta”, gratuito e especializado para pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida severa.

Fundamentação Constitucional e Legal

O direito à acessibilidade encontra fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cujo art. 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Além disso, a Constituição reconhece a educação e a saúde como direitos sociais fundamentais (art. 6º) e atribui ao Estado o dever de promovê-los, garantindo o acesso universal e igualitário aos serviços públicos (art. 196).

A proteção das pessoas com deficiência é especialmente destacada no art. 227, ao impor à família, à sociedade e ao Estado a obrigação de assegurar, com absoluta prioridade, direitos como a educação, a saúde, a dignidade e o respeito.

O art. 208, inciso VII, reforça que cabe ao Estado garantir o atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de transporte, alimentação e assistência à saúde, evidenciando que o transporte escolar não constitui mera liberalidade estatal, mas sim um dever jurídico e social.

Além da Constituição, o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico com status de norma constitucional (Decreto nº 6.949/2009). Referido instrumento, em seu art. 9º, obriga os Estados Partes a assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso ao transporte em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, promovendo o direito à mobilidade pessoal de maneira independente.

No âmbito da legislação infraconstitucional, destaca-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015), que estabelece, em seu art. 46, que:

“É assegurado à pessoa com deficiência o direito ao transporte e à mobilidade com segurança, conforto e autonomia, em condições de igualdade com as demais pessoas.”

Ainda, o art. 28, inciso I, impõe ao poder público o dever de:

“assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizagem ao longo de toda a vida.”

O direito ao transporte especializado também é reafirmado no contexto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990), que garante à criança e ao adolescente o acesso à escola pública gratuita próxima de sua residência (art. 53, V), bem como estabelece, em seu art. 4º, a prioridade absoluta na efetivação de direitos como educação, saúde e dignidade.

O Serviço LIGADO e sua Finalidade Social

O serviço LIGADO, mantido pela EMTU, desempenha papel crucial na garantia da acessibilidade a pessoas com deficiência, promovendo transporte gratuito entre suas residências e instituições que prestam atendimento especializado nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer.

Trata-se de serviço estruturado por meio de vans e micro-ônibus adaptados, operados por convênios firmados com órgãos públicos e instituições especializadas, como a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e a Associação Amigos dos Autistas (AMA).

A importância do transporte especializado transcende a mera facilitação logística. Ele é, na verdade, instrumento de promoção da inclusão social, permitindo que a pessoa com deficiência exerça plenamente seus direitos e participe da vida comunitária de forma digna, segura e autônoma.

Como bem sintetiza a missão institucional do serviço:

“Nosso objetivo é oferecer transporte acessível, seguro e eficiente a um público que não consegue utilizar o Sistema Regular, ainda que os veículos sejam adaptados. Assim, podemos promover a inclusão social desses cidadãos, garantindo que eles tenham acesso aos programas específicos do Governo nas áreas de educação, saúde, cultura e lazer.”
(Fonte: Site oficial da EMTU.)

Jurisprudência e Reconhecimento do Dever Estatal

A jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que é obrigação do Poder Público assegurar transporte especializado e gratuito à pessoa com deficiência, especialmente quando esta se encontra em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou em diversas oportunidades nesse sentido:

TJSP – Apelação nº 1567641-0/6, 12ª Câmara de Direito Público:

“OBRIGAÇÃO DE FAZER - Fornecimento de transporte coletivo gratuito - Autora portadora de deficiência física decorrente de LER, redução da capacidade visual e problemas cardíacos. Deficiências que efetivamente legitimam a concessão do benefício pleiteado - Acesso gratuito ao transporte coletivo devido pela Municipalidade ré - Sentença reformada - Recurso provido.”
(Rel. Des. Wanderley José Federighi, j. 11/05/2011).

TJSP – Apelação/Reexame Necessário nº 0032360-14.2009.8.26.0053, 4ª Câmara de Direito Público:

“DEMANDA MOVIDA CONTRA A FAZENDA DO ESTADO VISANDO O FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR ESPECIALIZADO PARA PORTADOR DE AUTISMO DIREITO ASSEGURADO PELO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM FACE DE QUALQUER DOS ENTES FEDERADOS AÇÃO PROCEDENTE SENTENÇA CONFIRMADA NO SUBSTANCIAL.”
(Rel. Des. Ricardo Feitos, j. 30/07/2012).

TJSP – Apelação nº 0002684-92.2009.8.26.0191, 13ª Câmara de Direito Público:

“Obrigação de Fazer. Fornecimento gratuito de TRANSPORTE adequado à pessoa hipossuficiente e portadora de Autismo Infantil (HDCCID-10 de F84) para tratamento fora do domicílio. Admissibilidade. Direitos fundamentais à vida, à saúde e educação, assegurados pela Constituição Federal. Recursos voluntário e oficial, não providos.”
(Rel. Des. Peiretti de Godoy, j. 25/08/2010).

Esses precedentes revelam que a negativa ou omissão do Poder Público na oferta de transporte especializado configura violação grave a direitos fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário intervir de forma célere e efetiva para garantir sua proteção.

Conclusão

É direito das pessoas com deficiência o acesso a transporte público especializado, seguro, gratuito e adaptado, condição indispensável para a efetivação dos direitos à educação, à saúde e à participação social. Trata-se de um dever jurídico, político e moral do Estado, que deve ser cumprido de forma ativa e eficiente, especialmente em relação às pessoas em maior situação de vulnerabilidade.

A atuação do advogado e da sociedade civil é fundamental para a defesa e promoção desse direito, utilizando-se dos instrumentos jurídicos disponíveis para compelir o Poder Público a cumprir sua função constitucional e garantir a dignidade da pessoa humana em sua plenitude.

Estamos a sua disposição.

Fluxo de Atendimento no Centro TEA Paulista: Atuação Pós-Diagnóstico e Integração com a Rede de Saúde



Fluxo de Atendimento no Centro TEA Paulista: Atuação Pós-Diagnóstico e Integração com a Rede de Saúde

O Centro TEA Paulista que foi inaugurado agorinha, junho de 2025, propo-se como referência estadual no acolhimento, orientação e apoio a pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias.

Importa salientar, com o rigor técnico que se impõe, que referido equipamento público não possui competência para a realização de diagnósticos clínicos de TEA, sejam em crianças ou adultos, atividade que permanece sob a exclusiva responsabilidade dos serviços de saúde municipais e estaduais, conforme disciplinado pelos protocolos vigentes no Sistema Único de Saúde (SUS), em consonância com o Plano Estadual Integrado para Pessoas com TEA (PEIPTEA).

Fluxo de Acesso ao Diagnóstico de TEA no Estado de São Paulo

O processo diagnóstico de TEA, no âmbito do Estado de São Paulo, está estruturado em etapas progressivas que visam garantir a identificação precoce e a correta inserção dos indivíduos nos serviços adequados de cuidado e apoio.

1. Identificação Inicial na Atenção Primária à Saúde

A porta de entrada do fluxo diagnóstico ocorre nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde médicos de família, pediatras e outros profissionais capacitados avaliam sinais indicativos de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Nessa etapa, são utilizadas ferramentas padronizadas de triagem, como a Escala Modificada de Triagem para Autismo em Crianças Pequenas - Revisada (M-CHAT-R). Adicionalmente, agentes comunitários de saúde, capacitados para a detecção precoce, desempenham papel relevante durante as visitas domiciliares, conforme diretrizes municipais que priorizam a atenção básica como eixo estruturante do cuidado em saúde mental.

2. Encaminhamento para Serviços Especializados

Confirmada a suspeita, a criança ou o adulto é encaminhado para unidades de referência, a exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS-I) e dos Centros Especializados em Reabilitação (CER). Nestes serviços, uma equipe multiprofissional – composta por psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos – realiza avaliações clínicas detalhadas e aplicação de instrumentos diagnósticos padronizados, tais como a Escala de Observação para o Diagnóstico de Autismo – Segunda Edição (ADOS-2) e a Escala de Avaliação de Autismo na Infância (CARS).

3. Emissão do Laudo Diagnóstico e Elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS)

Concluído o diagnóstico, a equipe especializada emite laudo técnico descritivo, acompanhado da elaboração de um Projeto Terapêutico Singular (PTS). Este documento define as intervenções terapêuticas indicadas e serve de base para a formalização do direito de acesso a serviços especializados, como os disponibilizados pelo Centro TEA Paulista.

Atuação Exclusivamente Pós-Diagnóstica do Centro TEA Paulista

O Centro TEA Paulista estrutura-se como unidade de suporte pós-diagnóstico, com enfoque no fortalecimento das competências familiares, sociais e educacionais das pessoas com TEA, mediante oferta de serviços complementares aos tratamentos médicos e terapêuticos conduzidos pela rede de saúde.

1. Orientações sobre Direitos e Benefícios Legais

O centro atua prestando orientações jurídicas e administrativas acerca de direitos assegurados às pessoas com TEA, com destaque para a obtenção da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (CipTEA), isenções tributárias, prioridade no atendimento em serviços públicos e acesso a benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

2. Desenvolvimento de Atividades Terapêuticas e de Inclusão Social

São ofertadas diversas atividades com enfoque terapêutico e inclusivo, tais como:

  • Oficinas esportivas (futsal, basquete), com o objetivo de promover o desenvolvimento motor e a socialização.

  • Arteterapia, incluindo atividades como pintura e clube do livro, para favorecer a expressão emocional.

  • Utilização de sala multissensorial, espaço dedicado à estimulação cognitiva e à regulação sensorial.

3. Apoio Psicológico e Educacional a Familiares e Cuidadores

Compreendendo a centralidade da família no cuidado à pessoa com TEA, o centro oferece grupos de apoio psicológico, oficinas de capacitação para cuidadores e disponibiliza materiais educativos, visando reduzir a sobrecarga emocional e aprimorar as práticas de cuidado.

Integração com a Rede Municipal e Estadual de Saúde

O Centro TEA Paulista deve atuar em estreita articulação com a rede de saúde, promovendo a integração e a continuidade dos cuidados:

  • Encaminhamentos cruzados: quando, no atendimento ao público, são identificados casos sem diagnóstico formal de TEA, o centro realiza orientações e encaminha os usuários para a Atenção Básica ou serviços especializados, como os CAPS.

  • Capacitação profissional: promove ações formativas e workshops direcionados a profissionais da rede pública de saúde, visando à disseminação de práticas baseadas em evidências.

  • Monitoramento compartilhado: integra suas bases de dados aos sistemas municipais, com vistas à otimização dos recursos e à prevenção da duplicidade de atendimentos.


A atuação exclusivamente pós-diagnóstica do Centro TEA Paulista evidencia as limitações estruturais da rede pública quanto ao diagnóstico precoce de TEA:

  • Filas de espera: na capital paulista, o tempo médio para avaliação multidisciplinar pode variar entre 8 e 14 meses.

  • Desigualdades regionais: municípios do interior do estado, notadamente os de pequeno porte, enfrentam severa escassez de profissionais especializados, comprometendo a tempestividade do diagnóstico.

Para mitigar tais desafios, o Centro TEA Paulista desempenha papel de ponte qualificada entre as famílias e a rede pública de saúde, oferecendo orientações jurídicas quanto à possibilidade de judicialização para garantir o acesso célere ao diagnóstico e aos tratamentos necessários.


O Centro TEA Paulista consolida-se como um polo estratégico de apoio e fortalecimento da rede de atenção pós-diagnóstica, sem, contudo, substituir os serviços diagnósticos que permanecem sob a competência dos serviços de saúde pública. Sua atuação integrada potencializa as políticas públicas de inclusão e cuidado à pessoa com TEA, contribuindo para a ampliação dos direitos e a melhoria da qualidade de vida dos usuários e de suas famílias.

Pedro Alem Santinho


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