E as medidas provisórios que não vimos?
A Medida Provisória 656/14 foi a que ninguém viu. As
imediatamente anteriores, as MP 654 e 655, foram e estão sendo objeto de
resistências de muitos lados, sobretudo por parte das organizações da classe
trabalhadora. É, no entanto, a MP656/14 a que introduziu importantes alterações
no país que marcarão as próximas décadas. Foi ela que alterou profundamente o
país e é responsável por criar as bases para transformações ainda maiores.
Estas transformações estão em curso há décadas no mundo, mas têm encontrado
resistências de todo o tipo no Brasil. E por isso foi no Brasil mais lenta do
que em outras partes do mundo. Estas são importantes alterações no sistema
financeiro nacional e que não têm sido debatidas pelas organizações dos
trabalhadores e pelos setores progressistas..
As mudanças decorrentes da MP 656/14 atingiram em
particular o setor imobiliário ao criar novos instrumentos financeiros e outras
medidas como o fim prático da exigência de certidão de pagamento de débitos
trabalhistas. As medidas previstas na MP 656/14 foram aprovadas assim que o
governo assumiu, mostrando a urgência do governo em atender ao setor financeiro
internacional. O governo Dilma sancionou a Lei 13.097/15 ainda em janeiro, e
poucos viram.
Vamos ver a questão mais de perto. De cara é
importante sabermos que o setor imobiliário, além de fornecer nossas casas,
nossas instalações de trabalho, de energia, de saneamento etc. O setor é
responsável também por uma fatia importante de geração do PIB, isto é, de
empregos. No ano de 2014 representou quase 10% do PIB, com 200 bilhões em
financiamentos, sendo 140 bilhões financiados pelo Caixa Econômica Federal.
Quase 70% de todo o financiamento, o que permite inferir o porquê querem abrir
o capital da Caixa Econômica Federal, uma vez que 70% do financiamento não passam
pelo chamado “mercado”, ou especificamente, pelo “mercado financeiro”. Por isso
querem alterar as regras financeiras. Vejamos ainda mais.
Em dezembro de 2014 a Caixa Econômica Federal (CEF) detinha 67,7% do
saldo dos financiamentos de imóveis no país, o que inclui o programa social Minha
Casa Minha Vida. A CEF também detinha também 35,7% do saldo em caderneta de
poupança. A caderneta de poupança era o principal instrumento de financiamento
imobiliário. Era....
De acordo com representante da Caixa Econômica Federal em entrevista
para a Folha de São Paulo:
“No caso da habitação que utiliza recursos da poupança, a prioridade da
Caixa tem sido o financiamento de imóveis novos, enquadráveis no Sistema
Financeiro da Habitação (SFH) - ou seja, com valor de até R$ 750 mil (em
Brasília, SP, MG e RJ) e de até R$ 650 mil nos demais Estados”.
Mas os empresários já estavam de
olho neste espaço há um ano. Vejamos o que disse ao jornal Brasil Econômico Octavio de Lazari Júnior, presidente da
Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip): “A caderneta só tem mais um ano,
no máximo, de fôlego para financiar o crédito imobiliário. Isso considerando o
sistema como um todo. Na Caixa, esses recursos já se esgotaram”.
Ainda em 2011 o senhor Luís
Antônio França, presidente da Abecip já dizia: "Para
o setor da construção civil, é de grande importância que os imóveis sejam
financiados pelo mercado financeiro". Parece que o papel Noel o atendeu ele
durante as eleições de 2014.
Vejamos como funciona, ou funcionava,
o sistema de financiamento imobiliário. As atuais regras do Sistema Brasileiro
de Poupança e Empréstimo (SBPE) obrigam, ou obrigavam, os bancos a aplicarem 65%
do saldo depositado na poupança em credito imobiliário. Outros 30% são depositados
no Banco Central e é chamado de compulsório. Outros 2% é de uso livre pelos
bancos. Bem pouco. Certo, mas tudo muda.
Temos ainda que no SBPE o segmento
de financiamento imobiliário é dividido em duas faixas: imóveis mais baratos,
que em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília vão até o valor de R$ 750.000,00 e
nos outros estados até R$ 650.000,00 e os imóveis acima destes valores.
Nos chamados imóveis mais baratos os
juros anuais não podem superar os 12%. Este limite é regulado pelo Banco
Central, que ainda não ganhou sua autonomia. Medida que é exigida desde o
Consenso de Washington, passando pelas exigências do Comitê da Basiléia e que desde
o primeiro Governo Lula, ainda em 2003, não foi atendida, através da manobra
dos governos do PT escolhendo representantes do setor financeiro para não
aprovarem a autonomia em lei.
Também precisamos saber que o SBPE é
o principal elemento do Sistema Financeiro da Habitação, o SFH, e que inclui os
empréstimos com recursos do FGTS e Programas Sociais também regulamentados pelo
Banco Central.
O segundo elemento do sistema
financeiro de habitação é aquele que utiliza os chamados “fundings”. Os
fundings são o mercado no sistema financeiro imobiliário. Os principais fundings
são as Letras de Crédito Imobiliários (LCI) e os Certificados de Recebíveis
Imobiliários (CRIs), as cédulas de créditos imobiliários (CCI) e as letras
hipotecárias (LH).
Agora temos mais uma. A MP 656/14,
convertida na Lei 13.097/15 aprovada em janeiro, cria também as Letras Imobiliárias
Garantidas (LIG). Quando aprovada em agosto do ano
passado, ainda no inicio do processo eleitoral, a medida provisória 656/14 teve
como justificativa a necessidade de diminuição dos juros. Mas então vejamos se esta
é a sua verdadeira função.
Todos esses fundings são instrumentos de
financiamentos de mercado, é mais um presente para o sistema bancário nacional.
O setor financeiro nacional e internacional têm agora mais uma forma de
aumentar seus lucros. E parece que nós nos divertimos vendo muita coisa e pouco
nos preocupamos com a entrega do nosso sistema de financiamento imobiliário ao
mercado, inclusive, e principalmente, ao mercado internacional.
O ano de 2015 entra com a informação, e
confirmação, de que a CEF esgotou o que teria para o credito imobiliário,
diante do volume de credito dos últimos anos, e também da diminuição do valor
depositado em poupança.
E diante de poucas saídas, eles encontram mais uma:
criam novos instrumentos financeiros. E o que são instrumentos financeiros?
De
acordo com o sistema contábil aprovado em 2010 os instrumentos financeiros são:
“qualquer contrato que dê origem a um ativo financeiro para uma entidade
e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio para outra”.
Essa MP que criou a LIG foi publicizada pelo
governo como nova fonte de recursos, inclusive com captação internacional, por
seguir as normas dos grandes “tubarões” de Wall Street. Será que estamos vendo
para onde fomos, ou estamos indo?
A LIG é cópia dos covered bonds há muito utilizado no
exterior. Mas na América Latina utilizada apenas na Argentina e no Uruguai. É
um novo título de renda fixa. Ele é emitido por instituições financeiras e
destinado ao financiamento imobiliário de longo prazo, sendo lastreada em uma
carteira de créditos imobiliários da instituição financeira emissora. E
diferentemente das CRIs, este é emitido diretamente pela instituição financeira
o que permitirá menos burocracia. Ou podemos dizer que ela é menos controlada e
por isso menos segura por natureza. Também diferente das CRIs que
deveriam ser lastreadas, ou garantidas em financiamento de imóveis construídos
a nova LIG poderá estar garantida em contratos de financiamentos habitacionais,
muitas vezes ainda não construídos, e por isso mesmo mais inseguro.
Outra diferença é que a LIG se vincula às carteiras de
ativos da instituição financeira. De acordo com os defensores deste instrumento
financeiro a primeira vantagem é que está vinculada a uma carteira de ativos
composta de créditos imobiliários, títulos públicos federais, instrumentos
derivativos e outros títulos. A LIG será título de emissão de instituições
financeiras, diferente, portanto do CRI, que é de emissão exclusiva de
companhias securitizadoras – sociedades de propósito específico que normalmente
não possuem outros ativos além daqueles relacionados à própria emissão do CRI.
O que era uma garantia.
Parece que os “tubarões de Wall Street” que em Manhatam são
cada vez mais pressionados a alguma regulamentação desembarcam no Brasil.